In hora mortis - Cap. II do conto O Velório
A morte ocorreu exatamente às 15:30, que, coincidentemente, era o mesmo horário do nascimento há 71 anos atrás. Não foi sofrida, durou uns dois minutos no máximo, de um sono profundo para o ato da morte, o que diferenciou de um estado para o outro foram esses dois minutos, tentou puxar o ar, tentou muito, e como que fosse lhe faltando o gás, ofegante e desesperador, afogou-se na falta dele e voltou ao sono, agora eterno.
Por isso deu para saber a hora exata, pois a partir daquele momento não respirava mais. Nas últimas tentativas de respirar, arregalou os olhos, olhou para o teto, nem se mexeu, só tentou, desesperadamente, puxar o ar para dentro dos pulmões, pelo nariz e pela boca escancarada, mas de nada adiantou e recolheu-se.
Três pessoas estavam ao seu lado no momento e choravam sem nada poder fazer, de desespero, talvez, de tristeza, talvez, de alívio, pode ser. Terminava ali o sofrimento de ambas as partes, do adoentado e dos adoentados. O morto não sofreria mais, embora ainda, mesmo que moribundo, acamado, conseguia se expressar, pedindo uma solução para seu problema e o que achava ser melhor para todos, a vinda da irmã morte, rápida e sem sofrimento, pois todos já sofreram o suficiente e se estivesse ligado a máquinas não aceitaria essa vegetariedade, pediria que desligassem as tomadas, a vida é para ser vivida naturalmente, mas quando isso não é possível, para que prolongar? Até mesmo um vegetal apodrece e as máquinas precisam ser usadas para quem ainda tenha a chance de sair para a vida cotidiana.
Ligações para parentes, ligação para a funerária, ligação para que fosse anunciada a vida findada do defunto fresco e frio, mais frio agora morto, embora tenha sido frio em vida com muitas coisas, não frígido, não indiferente, mas sabedor das suas capacidades e apático com aquilo que está longe do seu alcance, por isso parecia uma pessoa fria, mas era só autoconhecimento, se estava ao seu alcance, resolvia, se não estava, seguia em frente.
Ligação para abrir o velório.
A funerária disse que viria pegar o corpo, levar ao hospital para que fosse feito o atestado do óbito, não seria necessário fazer uma autópsia minuciosa, somente constatar morte natural por falta de vida ou morte natural por complicações do trato respiratório. Insuficiência respiratória é o que foi atestado.