A poção contra ressaca

No bandejão da universidade, dias depois do experimento que quase destruíra seu quarto no alojamento estudantil, Herman Barkle contou aos companheiros presentes à mesa, que havia feito avanços significativos em seu tônico mágico contra os efeitos do álcool no metabolismo humano.

- Qualquer um de vocês poderia citar meia dúzia de remédios contra a ressaca, imagino - divagou ele, enquanto cortava um pedaço de bife duro. - Mas o que me causa espanto, é que mesmo com o avanço da paraquímica orgânica, ninguém tenha tentado produzir uma poção realmente eficaz, que anule os efeitos do álcool.

- Provavelmente, porque ninguém se interessou em pesquisar - redarguiu Wilfred Tingey, um segundanista de paraquímica. - Mas imagino que exista um mercado para isso, mesmo com a infinidade de soluções caseiras disponíveis...

- Certamente que existe - ponderou Barkle. - Todos que trabalham com invocações - e creio que isso inclui a maioria nesta mesa - ficariam muito felizes em poder aproveitar uma happy hour e acordar cedo no outro dia, para encarar uma aula do professor Rosenburg.

Meia dúzia de cabeças balançaram em concordância. Barkle tomou um gole de suco de uva, antes de prosseguir.

- Pois o que a minha pesquisa revelou, é que é possível produzir uma poção que forre a parede do estômago, e absorva a maior parte do álcool antes que este entre na corrente sanguínea.

Meia dúzia de olhares céticos cravaram-se nele.

- A sua poção absorve o álcool... o que é isso, uma esponja? - Questionou outro estudante, Terence Lipman, estreitando os olhos.

- A poção absorve o álcool, e em seguida, ele é excretado - comentou Barkle, acabando de beber o suco de uva.

- Pela urina? - Questionou Tingey.

Barkle deu de ombros.

- Também eliminei esse inconveniente. Ninguém vai mais precisar levantar de meia em meia hora para ir ao banheiro...

Os demais estudantes entreolharam-se.

- Essa eu pago pra ver - afirmou Trevor Spargo, o companheiro de quarto de Barkle.

* * *

Boa parte da turma de paraquímica reuniu-se na quinta-feira seguinte, após às aulas da tarde, no Lo Caçolet, uma casa de pasto especializada em cozinha occitana, próxima à universidade. A atração principal daquela happy hour, seria a demonstração a ser efetuada por Herman Barkle da sua miraculosa poção anti-ressaca, a qual levara num vidro de geleia que colocou sobre a mesa onde estava.

- Foi sua avó quem fez? - Ironizou Terence Lipman, encarando a substância com aparência e cor de melado dentro do recipiente.

- Fiz com estas mãos aqui - retrucou Barkle sem se abalar, erguendo as próprias. Em seguida, abriu o vidro e derramou cerca de 100 ml do conteúdo num copo transparente.

- O cheiro é bom, pelo menos - avaliou Maria Arno, uma estudante de esobiologia que namorava Trevor Spargo, sentada em frente a Barkle.

- Não vamos perguntar pelo gosto - comentou outro estudante, cotovelos apoiados na mesa.

- É bom, posso assegurar - replicou Barkle, engolindo a beberagem. Em seguida, consultou o relógio de pulso:

- Em quinze minutos, podem começar a servir a bebida; é o tempo que a poção leva para fazer efeito.

E, quinze minutos depois, Barkle começou a beber como se não houvesse amanhã, as quantidades meticulosamente anotadas em cadernos por seus colegas estudantes. Afinal, tratava-se de um experimento científico...

Duas horas depois, tendo misturado vinho, cerveja e até mesmo vodca, sem aparentar estar sob o efeito do álcool, Barkle informou que seu estômago não comportava mais bebida. E, conforme prometido, também não precisou ir ao banheiro para esvaziar a bexiga durante todo o tempo em que permaneceu no estabelecimento. Parecia um milagre.

- Vejo vocês amanhã de manhã, na aula do Rosenburg - declarou alegremente, ao se despedir dos colegas.

* * *

- Cadê o Herman?

A pergunta foi repetida várias vezes para Trevor Spargo, quando os colegas o avistavam pelos corredores da universidade.

- Se sentiu mal de madrugada - respondeu o rapaz.

- Ressaca? - Indagavam os céticos.

- Diarreia - informou. - Todo aquele álcool absorvido... tinha que sair por algum lugar, claro.

Quando voltou às aulas na segunda-feira, Barkle comentou apenas que sua fórmula precisava de aperfeiçoamentos; mas que já estava trabalhando nisso...

- [07-04-2021]