O Fogo Selvagem
Semanas haviam se passado desde que ela iniciou sua jornada, estava enfim deixando seu passado para trás, bastava apenas concluir a travessia do deserto. A cada passo, a cada gota de suor, em sua mente acreditava estar mais próxima das respostas pelas quais tanto ansiava, ao contrário de seu coração, que sentia lá no fundo, a possibilidade de estar em um caminho sem volta, um beco sem saída como tantos outros em que já esteve. A simples ideia de que aqueles horríveis incidentes pudessem acontecer novamente atormentava seus pensamentos de tempos em tempos, quanto mais se aproximava do fim do escaldante deserto. Algumas poucas lembranças a acalmavam por alguns minutos, o que não era o bastante para aplacar toda a fúria que vinha sentindo durante tanto tempo. Faltavam apenas mais alguns metros e estaria fora das areias do deserto, olhou para trás como se procurasse por alguém e quando se virou foi novamente atacada, um golpe covarde de seus perseguidores a fez cair e rolar duna abaixo.
Não mais que um segundo durou a queda, tempo suficiente para que uma vida inteira se passasse na sua cabeça, enquanto caía, ela lembrava da sua família, sua mãe, seu pai e suas irmãs. Boas recordações que ela utilizava nos momentos em que se sentia sozinha, e que não eram poucos, memórias que esquentavam seus dias mais frios e iluminavam seus dias mais escuros. O sorriso de sua mãe, a felicidade de seu pai ao vê-la sempre que chegava em casa, as travessuras junto de suas irmãs, uma pequena parte de sua infância em que tudo parecia ser perfeito. Conforme as lembranças iam e vinham as coisas pareciam fazer mais sentido, seu ponto de ignição ficou tão claro quanto o sol que aquecia os grãos de areia que respingavam ferventes em seu rosto. Foi a ausência de seu pai, logo nos seus primeiros anos de vida, que deixou o vazio que sugava sua alegria como se fosse um buraco negro, um fardo que ela ainda carregaria por muitos anos.
Sua exotermia havia recém se manifestado, ainda era muito nova quando seu pai simplesmente decidiu deixar a família. Sempre foi muito raro chover naquela região, por isso ela se lembrava muito bem do dia em que voltou para casa e encontrou sua mãe chorando segurando um pedaço de papel, correu para abraçá-la e para tentar entender o que tinha deixado ela naquele estado. O papel era uma carta escrita por seu pai, explicando os motivos pelos quais estava abandonando seu lar, mas para ela, naquele instante, nada faria sentido e ela se preocupou apenas em confortar a mãe que estava em prantos. Mal tiveram tempo de digerir a situação e muitas pessoas do vilarejo começaram a aparecer para visitar a sua família, pois seu pai era muito conhecido naquele lugar. Foi nesse momento que ela se deparou com a maldade dos seres humanos, enquanto sua família sofria pela ausência do pai, as pessoas do local se aproveitavam da fragilidade momentânea para saquear a sua casa, como abutres. A tristeza foi dando lugar a raiva, das pessoas que se aproveitaram da confiança de sua família e de seu pai por ter deixado que tudo isso acontecesse, ela jurou que jamais deixaria sua mãe passar por isso de novo.
Decidiu então aprender a dominar suas chamas sozinha, pois, mesmo com os esforços de sua mãe para ensinar o controle do fogo, as diferenças em suas naturezas não a ajudavam nessa tarefa e sua família não tinha condições de enviá-la para na academia da cidade. Foram anos muitos duros e sempre que estava deprimida ela se imaginava frente a frente com seu pai perguntando o motivo dele ter partido e a deixado nessa situação, pois se ele estivesse ali, a vida dela seria mais fácil e ela não precisaria enfrentar tudo que enfrentou. Não poder realizar esse desejo alimentava ainda mais o vazio em seu peito e com ele a raiva se tornava cada vez maior. Sua magia de fogo ficava mais forte à medida que sua fúria interior aumentava, cada dia se tornava mais difícil controlar todo esse poder e como se não bastassem os seus próprios problemas, devido a sua impetuosidade e habilidades inatas, já era vista como porto seguro, não apenas pela sua família, mas também por outras pessoas do local. Essas mesmas pessoas que a achavam um perigo para o vilarejo, pois não conseguiam lidar com seu temperamento e julgavam que suas chamas poderiam estar fora de controle.
Já quase toda coberta pela areia quente da duna, acordou com outro golpe forte na cabeça, sua visão ficou totalmente borrada, agora um chute direto no estômago, vários socos e chutes se seguiram e a cada agressão de seus perseguidores ela lembrava de algum momento da sua vida. Lembrou-se das dificuldades que passou com sua mãe e irmãs, o medo de recomeçar, a responsabilidade de proteger sua família, as humilhações pelas quais passou para poderem sobreviver, a dificuldade para aprender a controlar os seus dons, todos os erros que cometeu. Tudo isso a enfurecia tanto quanto o fato de não conseguir se mover para se defender. Mas nada aumentava mais a sua cólera do que não entender a verdadeira motivação que levou seu pai a abandoná-la, tão jovem, tão indefesa e novamente ela estava ali solitária, sofrendo, tendo que encontrar uma solução sozinha. Sentiu uma leve corrente de ar frio, que parecia querer cobrir todo seu corpo, não recordava de ter tido aquela sensação antes, principalmente naquelas terras quentes do Norte. Pensou estar morrendo, mas não sentiu medo.
Precisava sair daquela situação, estava ali há poucos dias de viagem das respostas que tanto buscava, mas agora não conseguia nem gritar, os ferimentos causados por seus perseguidores estavam quase lhe tirando a vida. Teve que recorrer mais uma vez a sua ira interior e, canalizando toda sua raiva armazenada, explodiu seus agressores. Um imenso calor se seguiu depois de uma gigantesca explosão, as cinzas dos seus inimigos misturadas à areia formaram uma espécie de nuvem espessa que demorou a se dissipar. Ela estava a salvo por enquanto, sem conseguir se mover, ficou ali deitada na areia, esperando que o calor do deserto restaurasse suas feridas e tão logo pudesse ficar de pé, retomaria seu caminho.
Apesar das dores que sentia em todo seu corpo, estava bem, pôde usar sua combustão sem se preocupar com nada, sem se conter. Ela sabia que o vazio que sentia ainda estava ali, em seus pensamentos e em seu coração, mas pela primeira vez em muito tempo, ela conseguiu extravasar toda sua raiva. Antes de desmaiar, sentiu mais uma vez aquela brisa fria, sonhou ter chegado ao fim da sua jornada, mal sabia ela que isso era só o começo...
Não mais que um segundo durou a queda, tempo suficiente para que uma vida inteira se passasse na sua cabeça, enquanto caía, ela lembrava da sua família, sua mãe, seu pai e suas irmãs. Boas recordações que ela utilizava nos momentos em que se sentia sozinha, e que não eram poucos, memórias que esquentavam seus dias mais frios e iluminavam seus dias mais escuros. O sorriso de sua mãe, a felicidade de seu pai ao vê-la sempre que chegava em casa, as travessuras junto de suas irmãs, uma pequena parte de sua infância em que tudo parecia ser perfeito. Conforme as lembranças iam e vinham as coisas pareciam fazer mais sentido, seu ponto de ignição ficou tão claro quanto o sol que aquecia os grãos de areia que respingavam ferventes em seu rosto. Foi a ausência de seu pai, logo nos seus primeiros anos de vida, que deixou o vazio que sugava sua alegria como se fosse um buraco negro, um fardo que ela ainda carregaria por muitos anos.
Sua exotermia havia recém se manifestado, ainda era muito nova quando seu pai simplesmente decidiu deixar a família. Sempre foi muito raro chover naquela região, por isso ela se lembrava muito bem do dia em que voltou para casa e encontrou sua mãe chorando segurando um pedaço de papel, correu para abraçá-la e para tentar entender o que tinha deixado ela naquele estado. O papel era uma carta escrita por seu pai, explicando os motivos pelos quais estava abandonando seu lar, mas para ela, naquele instante, nada faria sentido e ela se preocupou apenas em confortar a mãe que estava em prantos. Mal tiveram tempo de digerir a situação e muitas pessoas do vilarejo começaram a aparecer para visitar a sua família, pois seu pai era muito conhecido naquele lugar. Foi nesse momento que ela se deparou com a maldade dos seres humanos, enquanto sua família sofria pela ausência do pai, as pessoas do local se aproveitavam da fragilidade momentânea para saquear a sua casa, como abutres. A tristeza foi dando lugar a raiva, das pessoas que se aproveitaram da confiança de sua família e de seu pai por ter deixado que tudo isso acontecesse, ela jurou que jamais deixaria sua mãe passar por isso de novo.
Decidiu então aprender a dominar suas chamas sozinha, pois, mesmo com os esforços de sua mãe para ensinar o controle do fogo, as diferenças em suas naturezas não a ajudavam nessa tarefa e sua família não tinha condições de enviá-la para na academia da cidade. Foram anos muitos duros e sempre que estava deprimida ela se imaginava frente a frente com seu pai perguntando o motivo dele ter partido e a deixado nessa situação, pois se ele estivesse ali, a vida dela seria mais fácil e ela não precisaria enfrentar tudo que enfrentou. Não poder realizar esse desejo alimentava ainda mais o vazio em seu peito e com ele a raiva se tornava cada vez maior. Sua magia de fogo ficava mais forte à medida que sua fúria interior aumentava, cada dia se tornava mais difícil controlar todo esse poder e como se não bastassem os seus próprios problemas, devido a sua impetuosidade e habilidades inatas, já era vista como porto seguro, não apenas pela sua família, mas também por outras pessoas do local. Essas mesmas pessoas que a achavam um perigo para o vilarejo, pois não conseguiam lidar com seu temperamento e julgavam que suas chamas poderiam estar fora de controle.
Já quase toda coberta pela areia quente da duna, acordou com outro golpe forte na cabeça, sua visão ficou totalmente borrada, agora um chute direto no estômago, vários socos e chutes se seguiram e a cada agressão de seus perseguidores ela lembrava de algum momento da sua vida. Lembrou-se das dificuldades que passou com sua mãe e irmãs, o medo de recomeçar, a responsabilidade de proteger sua família, as humilhações pelas quais passou para poderem sobreviver, a dificuldade para aprender a controlar os seus dons, todos os erros que cometeu. Tudo isso a enfurecia tanto quanto o fato de não conseguir se mover para se defender. Mas nada aumentava mais a sua cólera do que não entender a verdadeira motivação que levou seu pai a abandoná-la, tão jovem, tão indefesa e novamente ela estava ali solitária, sofrendo, tendo que encontrar uma solução sozinha. Sentiu uma leve corrente de ar frio, que parecia querer cobrir todo seu corpo, não recordava de ter tido aquela sensação antes, principalmente naquelas terras quentes do Norte. Pensou estar morrendo, mas não sentiu medo.
Precisava sair daquela situação, estava ali há poucos dias de viagem das respostas que tanto buscava, mas agora não conseguia nem gritar, os ferimentos causados por seus perseguidores estavam quase lhe tirando a vida. Teve que recorrer mais uma vez a sua ira interior e, canalizando toda sua raiva armazenada, explodiu seus agressores. Um imenso calor se seguiu depois de uma gigantesca explosão, as cinzas dos seus inimigos misturadas à areia formaram uma espécie de nuvem espessa que demorou a se dissipar. Ela estava a salvo por enquanto, sem conseguir se mover, ficou ali deitada na areia, esperando que o calor do deserto restaurasse suas feridas e tão logo pudesse ficar de pé, retomaria seu caminho.
Apesar das dores que sentia em todo seu corpo, estava bem, pôde usar sua combustão sem se preocupar com nada, sem se conter. Ela sabia que o vazio que sentia ainda estava ali, em seus pensamentos e em seu coração, mas pela primeira vez em muito tempo, ela conseguiu extravasar toda sua raiva. Antes de desmaiar, sentiu mais uma vez aquela brisa fria, sonhou ter chegado ao fim da sua jornada, mal sabia ela que isso era só o começo...