O Caju
Esta é a história do caju elétrico. Um amarelo, doce e suculento caju que, atingido por partículas cósmicas durante a queda de um meteorito, adquiriu propriedades fantásticas como regenerar-se a cada mordida, transformar-se em bebida prontinha pra beber pela simples proximidade de algum recipiente de pinga, dar choque em quem o tocasse com alguma intenção maligna e até ligar-se novamente à árvore-mãe como se nunca houvesse sido dalí arrancado.
Pois este magnífico exemplar de “cajulis gostosulis” veio parar nas mãos do velho Mingau, o mais famoso matador de bicho de Tira-Teima, quando acidentalmente o beberrão deitou-se ao lado daquele cajueiro com uma garrafa da branquinha para curtir o último porre.
Ah, pensava ele, nesse calor desgraçado, só mesmo mais um golinho pra gente dormir sossegado. Ao dar o ansiado gole, notou imediatamente alguma coisa diferente na garrafa de que já bebera metade. O que é isso, perguntou-se, não é a minha pinga. Mingau tentava inutilmente descobrir ao seu redor alguém que pudesse ter trocado a sua garrafa. Mas como, se não largara o gargalo um único instante? A bebida estava até geladinha, o que o forçou a provar novamente, para descobrir o que era. Caju, eu acho que estou mesmo velho demais. Trocam minha garrafa e eu nem percebo.
Foi quando, preguiçosamente, Mingau olhou para cima, para a árvore onde estava encostado. Havia um único caju, viçoso, bem amarelinho, brilhando até, mas era fora de época, meu Deus, estou vendo coisas que não entendo mais nada e nem sequer há mais cajus pra ajudar a gente a não se espantar tanto. Puxa, que caju bonito, vou pegar pra mim. Com muito custo, o velho conseguiu erguer-se um pouco e alcançar a fruta, fazendo vergar o galho do cajueiro, bom, isso dá até pra morder no galho mesmo que ele tá mambembe e nhact lá se foi uma naca, o velho fechou os olhos pra saborear a carne deliciosa, e mais outra mordida, está bom isso, a calda faz que deixa a boca sequinha, nham...e Mingau largou o caju, fazendo o galho balançar como louco, chacoalhando sua sombra. Tonto, apanhou sua garrafa para mais um gole, hum, inda é caju, mas tá tão geladinho que faz gosto. Inclinando a cabeça pra dar ao gargalo, Mingau teve de olhar para cima, quando viu um caju viçoso, bem amarelinho, brilhando até, mas só tinha um, ou será que não vi direito, está bem onde estava o outro, vou comer também. O caroço deve estar pertinho, bem que eu imaginava, já não fazem pinga como antigamente que esta aqui já tá me fazendo ver coisas, eu devo é ter dormido, isso sim, onde é que já se viu fazerem uma coisa dessas com um velho? Essa batida tá ge...la...diiin...haaa. Apaga-se a luz.
Quando ele acordou era noitinha quase noite, o calor do chão abrandava um pouco e se podia ver a lua aparecendo enquanto o sol ainda estava sumindo. Mingau fez um muxoxo e uma tentativa de pôr-se de pé mas, ao apoiar-se sobre a garrafa, a mão falseou, fazendo com que ele e a garrafa se esparramassem pelo chão. Com uma diferença: Mingau não estava derramando pinga pelo chão.
É verdade que ele já havia regado o chão um bocado de vezes, mas aí era diferente, essa pelo menos tinha sido bebida antes. Mas ver o que via, sem poder fazer nada, isso era demais, quase meio litro de pinga ou batida, sei lá, geladinha...Hoje não é meu dia, mas quem sabe se eu chego logo no Afonso e mando uma biritinha, tudo não se ajeita?
Mingau sentiu um peso estranho na garrafa ao tentar apanhá-la, parecia que estava cheia, mas como é que era isso? Já estava ficando cabreiro, mas que porra, essa garrafa está cheia mesmo, e tem coisa nisso, é agora ou nunca que eu tô bebo ma´numtô loco.
Mingau conseguiu ficar de joelhos e, apanhando a garrafa, virou-a de cabeça para baixo até derramar tudo e, ao desvirá-la sentiu-a pesada novamente, é verdade mesmo, isso aqui é mágica em Tira-Teima e eu vou encher um bocado de litro pra vender que ninguém vai encher mais o saco desse velho. E riu. Riu tanto, gargalhou mergulhado no cajueiro que perdeu o fôlego e ia escorregando que agarrou com força justamente o caju cósmico e feriu a mão tão dolorido pois aquilo não podia mesmo segurá-lo, que xingou alto e quis arrancar com raiva essa merda de caju, que eu machuquei a mão, mas levou um choque-de-largar-na-hora o que quer que fosse, e ainda viu, enquanto se esborrachava de resto, o caju arrancado e amassado levantar-se novinho e pendurar-se no mesmo galho de antes, babando boquiaberto.
Sei não, sei não, mas acho que num é pra jogar ele fora, pelo menos se eu entendesse...já bebi, já me encheu a garrafa, já mordi e num aconteceu nada, ah, só pode ser da cabeça, o que eu pensei, mas é que ardeu tanto minha mão, mas eu não faço mais isso, eu juro, ai, ai, será que você ainda enche minhas garrafas, cajuzinho? Mais que depressa, tomou um gole e olhou novamente o litro verde: cheinho. Mingau abraçou sua garrafa sob o paletó surrado, e começou a andar para fora do beco, cambaleando de bêbado e de segredo. Ia sonhando.