GRAFFITI - CARNO, OSSO E... GRAFITE? - FINAL

GRAFFITI

CARNE, OSSO E... GRAFITE? – FINAL

Deise levou Murilo até as rochas do outro lado da praia e sentaram-se lá, olhando para o mar.

- Meu pai foi cremado e as cinzas dele foram jogadas nesse lugar, falou Deise. – Era onde ele costumava desenhar, todos os dias à tarde.

- Você também tem dom para desenho?

- Não, nenhum, ela respondeu, rindo.

- Que pena! – ele disse, com tristeza na voz.

- Poderia continuar sua estória eu mesma, não é? – disse ela, entendendo seu desapontamento.

Ele confirmou, balançando a cabeça. Deise encostou a cabeça em seu ombro.

- Sinto muito por tudo isso.

Murilo a abraçou e a beijou. Deitaram-se nas pedras e o mundo deixou de existir. Dormiram por algumas horas e ele acordou primeiro. Olhou o sol e viu que não tinham muito tempo. Beijou Deise para que ela acordasse. Ela abriu os olhos.

- Temos que voltar, ele disse, triste.

- Se você não voltar, meu avô não vai fazer nada. Fique mais um pouco. Ele vai saber que você está comigo e...

- Deise, nós aceitamos a condição do seu avô. Eu não...

Ela o beijou mais uma vez e o impediu que falasse mais alguma coisa.

- Fique...! Por favor.

Ele acariciou seu rosto.

- Não posso...

Murilo se levantou e a ajudou a fazer o mesmo. Desceram as pedras, abraçados e voltaram para casa. Entre as árvores que separavam a praia do jardim da choupana, Murilo começou a sentir uma fraqueza estranha e encostou-se numa árvore.

- Que foi? – Deise perguntou, assustada.

- Vou ter que correr... O sol está... indo embora. A vontade do seu avô é mais forte do que a nossa. Se eu desaparecer aqui... nunca mais vou poder voltar à prancheta.

- Então vamos logo!

- Não! Fique aqui. Eu vou sozinho.

Murilo segurou seu rosto e a beijou longamente.

- Eu te amo... Não se esqueça de mim...

E saiu correndo. Deise o viu sumir no espaço atrás de um facho de luz. Encostou-se numa árvore e começou a chorar.

- Murilo...

Quando voltou para casa, já era noite. Entrou na sala com os olhos molhados ainda, vermelhos de chorar e procurou pelo avô.

- Cris!

Ele não respondeu. Ela subiu até o atelier e o viu lá, olhando para a prancheta. Delano voltou-se para ela e lhe estendeu a mão. Deise aproximou-se dele e a segurou.

Todos os momentos em que estivera com Murilo estavam desenhados no papel e em meio a todas as cenas em preto e branco, só ele estava desenhado em azul e vermelho, como estava, antes de voltar aos quadrinhos.

Deise escondeu o rosto no peito do avô e chorou muito.

- Entendeu agora por que eu não queria que você entrasse aqui sem mim? Você é como seu pai, Deise. Sonha demais. E sonhou com sua mãe como... como você sonhou com esse rapaz.

Deise olhou para ele sem entender.

- Como assim?

- Sua mãe saiu de uma das minhas estórias.

- O quê?

- Há algo nesse atelier ou em mim que eu não consigo explicar. As minhas estórias, os meus personagens tomam vida aqui dentro... por isso todo mundo me chama de louco. No início, quando eu não sabia o que era e como podia controlar, eu falava mesmo com eles e fui pego por alguns dos meus editores, por amigos... Eu procurei esconder isso do Murilo, quando percebi que estava indo por um caminho muito perigoso para ela. Mas ele fez o que você fez. Subiu aqui escondido de mim entrou numa estória minha. Deu vida a uma moça.

Ele se afastou dela e foi para janela, emocionado.

- Eu consenti o namoro, menti pra você quanto a isso... Consenti porque achei tudo muito bonito, embora totalmente irreal. E eu não queria que ele sofresse... Mas havia um tempo pra ela ficar que eu mesmo não podia controlar e ela foi embora. Se eu deixasse o seu garoto viver... como você queria, eu ia te ver sofrer do mesmo jeito que seu pai sofreu quando a moça que ele amava teve que ir embora. Eu quero que você se apaixone por alguém real, de carne e osso, e não por um personagem meu. Entende agora?

Ela balançou a cabeça, confirmando.

- E minha mãe? O que você com a estória dela?

- Vendi também, como vou vender esta. Mas isso já tem dezesseis anos.

- Quando tempo ela ficou com ele?

- Um ano, nem isso. Foi só o tempo de você nascer. Seu pai começou a morrer mais depressa, depois que ela se foi, mas tenho certeza de que ele morreu feliz, depois que viu você.

Deise sorriu e olhou para a prancheta.

- Traz o Murilo de volta, Cris. Eu também tenho o mesmo direito. Sou metade grafite, não sou?

Delano ficou olhando para ela.

- Se você não o trouxer de volta, eu entro lá... e você nunca mais vai me ver.

- Deise...

- Por favor, Cris!

Vendo que ela falava a sério, Delano não teve outra escolha. Foi até a prancheta e, no quadrado seguinte, todo em branco ainda, começou a desenhar outro quadrado negro.

Feito isso, beijou a neta e saiu do atelier. Deise tocou o quadrado com as pontas dos dedos e a mão de Murilo apareceu. Logo ele estava do seu lado.

- O que foi que houve? – ele perguntou, olhando para si mesmo. – Eu voltei?

- Já tinha desistido de mim?

Ele olhou para ela e sorriu, abraçando-se a ela.

- Como você convenceu o seu avô?

- Dizendo a ele que não pode separar a gente... agora que somos três...

- Três? Mas...

Ela o beijou.

- Mas... nós somos três? - ele perguntou confuso.

- Ainda não, mas podemos providenciar. Quer se casar comigo?

- Casar?

Deise balançou a cabeça sorrindo.

- Carne e osso... e grafite?

- Eu e você, ela disse.

- Deise, eu posso até aceitar o sentimento que une a gente, mas... isso é impossível.

- Eu existo porque isso é possível.

Ele franziu a testa e acabou rindo.

- Você existe mesmo?

- Não fico nem magoada se você duvidar...

Beijaram-se novamente e tudo voltou ao normal... ou quase...!

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GRAFFITI

CARNE, OSSO E... GRAFITE? - FINAL

OBRIGADA, SENHOR, POR TUDO!

FAZEI DE NÓS INSTRUMENTOS DE VOSSA PAZ!

NÃO PERMITA QUE NOS APARTEMOS DE VÓS

QUE NOSSA SENHORA NOS ABENÇOE

E INTERCEDA POR SEUS FILHOS E FILHAS!

DEUS ABENÇOE A TODOS!

PAZ E BEM!

Velucy
Enviado por Velucy em 13/10/2020
Código do texto: T7086127
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