SELVA - TOCAIA - CAP. 5
SELVA
TOCAIA – CAPÍTULO V
No dia seguinte, ambos levantaram muito cedo
e Sílvio resolveu vasculhar outra vez o local onde o velho bruxo estava com a filha. Alexandre quis ir com ele.
- Não precisa. Eu só quero dar uma olhada, falou Sílvio, colocando a espingarda no ombro.
- A gente está junto nisso ou não?
- Não quero que você se exponha.
- Afinal de contas, você quer que eu te ajude ou que cozinhe pra você?
Sílvio riu.
- Tudo bem, desculpe.
No caminho pela mata, Alexandre falou:
- Você me disse tudo menos o nome da sua bem-amada.
- Aline.
- Aline... É bonito.
- Ela é mais... falou Sílvio, com um sorriso bem significativo.
- Pra você correr todo esse risco por ela, deve ser mesmo.
- Aline quer dizer “majestosa”... É o que ela é. Ela é linda.
- Sabe como eu a imagino?
- Não e não quero saber, falou Sílvio, parando de andar. – Ela é alguma coisa que você nunca imaginou. Não perca tempo tentando imaginar.
E continuou andando. Alexandre ficou parado, olhando para ele. Disse consigo mesmo.
- Poxa que paixão!
Quando chegaram às margens do rio, Sílvio parou e ficou imóvel, como se tentasse sentir o ambiente.
- Que foi? – Alexandre perguntou.
O rapaz colocou o indicador sobre os lábios, pedindo silêncio e continuou imóvel. Alexandre teve a impressão de que ele nem respirava. Algum tempo depois, Sílvio olhou para o chão e respirou fundo.
- Eles estão por aqui, mas não por muito tempo...
- Como é que você sabe?
Ele não respondeu. Avançou mais alguns passos e ficou olhando para o outro lado do rio. Alexandre fez o mesmo, sem saber se tinha medo do que havia do outro lado do rio ou de Sílvio e de seu comportamento estranho. Viu na outra margem uma cabana pouco menor que a dele aparentando estar vazia.
- É ali?
Sílvio apenas balançou a cabeça confirmando.
- Parece não ter ninguém.
- Tem.
- Você tem bola de cristal, é?
- Uma das poucas vantagens de ser um bicho... Instinto, percepção e audição aguçados demais, pra um humano. Antes eu não dava muita importância pra isso. Agora faz parte da minha vida e eu dependo disso pra continuar vivo...
- Você quer dizer que... tem todos os sentidos de um animal? Visão de uma águia ou audição de um cachorro, por exemplo?
- Basicamente. Sentidos que o homem tem também, mas que a visão torna obsoletos. Um ano vivendo assim me ensinou muita coisa.
- Um ano?! Eu já tinha dado um tiro na cabeça, cara. Que loucura!
- Foi o que eu pensei nos primeiros dias, mas depois eu vi que tinha o direito de voltar a ter minha vida como antes, pra poder morrer como homem e não como bicho. Eu não fiz nada de errado. Eu só me apaixonei e isso não é crime. O culpado disso tudo está ali, naquela cabana, tirando de mim a coisa que eu mais amo no mundo. Eu a quero de volta, junto com a minha vida. Se eu não conseguir isso, vai ser melhor morrer mesmo.
- Eu entendi, mas não vai acontecer nada disso. O que é que você vai fazer? Esse rio deve ter pelo menos um quilômetro de distância.
- Cinquenta metros de profundidade e trezentos de largura.
- Pra mim, dá no mesmo. Sem contar com...
- Psiu! – fez Sílvio, como a pressentir alguma coisa.
Ambos ficaram em silêncio e olharam para a cabana. A porta se abriu e por ela saiu uma moça. Alexandre deduziu que fosse Aline, pois percebeu que os olhos de Sílvio brilharam como nunca, sem desviarem-se dela.
- Ela é linda! – Alexandre murmurou, quase sem sentir, fascinado pela beleza da moça, que, de longe, ele só conseguia ver o loiro dos cabelos longos e a brancura da pele, mas tinha a impressão de a estar vendo bem de perto.
Sílvio baixou o capuz do casaco e pulou na água, antes que Alexandre pudesse dizer alguma coisa. Assustado, ele ficou olhando para a água, mas Sílvio não apareceu mais.
Aline aproximou-se da água e abaixou-se para apanhar um pouco com uma moringa, quando percebeu a presença de Alexandre na outra margem. Assustada, levantou-se e correu de volta para cabana, entrando.
Ele não soube o que fazer. Sílvio desapareceu e ele estava quase pulando na água para procurá-lo quando o viu ressurgir a poucos metros, sair da água e deitar-se na grama, exausto.
- Onde você se meteu? – Alexandre perguntou, aflito.
- Você assustou ela, droga! – Sílvio falou, zangado.
- Eu não sabia que você...
O rapaz levantou-se, apanhou a arma e voltou pelo caminho que viera. Alexandre correu atrás dele e o segurou pelo braço.
- Ei! O que foi que eu fiz?
Sílvio soltou-se da mão dele e continuou andando. Alexandre desistiu. Voltou sozinho para a cabana, mas, ao entrar nela, não viu o companheiro. Procurou por ele por toda a parte, mas não o encontrou. Saiu novamente pelo mato e foi achá-lo sentado a beira de um penhasco numa outra margem mais alta do rio. Alexandre sentou-se ao lado dele.
- Você vai acabar pegando um resfriado, molhado desse jeito.
Sílvio não respondeu.
- Seja lá o que for que eu tenha feito, me desculpe. Não foi por mal. Como eu podia adivinhar que ela ia me ver de tão longe... e que ia correr de mim? Eu estava mais preocupado com você.
Sílvio olhou para ele.
- Eu sei. Eu é que tenho que te pedir desculpas. Você não teve culpa.
- Pensei que você tivesse morrido afogado.
- Como? Eu sou um bicho, esqueceu? – perguntou ele, sorrindo.
Alexandre percebeu que tinha sido um tolo novamente e cobriu o rosto com as mãos.
- Como eu sou idiota!
- Não... Eu também demorei pra me acostumar.
- Um peixe! Você se transformou num peixe! Cara, você pode fazer misérias com essa mágica! Ficaria milionário!
- Onde? No zoológico? No Fantástico? Ou na NASA?
Alexandre percebeu que tinha sido inconveniente.
- Eu só digo bobagens, não é?
- Até que não, me ajuda a relaxar. Fiquei nervoso porque... são tão poucas as vezes em que eu consigo vê-la que... Bem, eu tinha que descontar em alguém. Desculpe.
- Vou ter mais cuidado na próxima vez. Agora, trate de tirar essa roupa. Você pode se tornar o primeiro peixe resfriado do planeta.
Sílvio riu.
- Aliás... como você consegue se transformar num bicho e depois volta ao normal e continuar... vestido com as próprias roupas?
- Não me pergunte. Nunca fiz questão de entender. Só dou graças a Deus por pelo menos não ter esse transtorno. Já pensou se eu destruísse cada roupa, toda vez que isso acontece? Já não teria mais roupa nenhuma agora. Pelo menos nisso o velho não me prejudicou... Ele só não quer que eu veja a filha dele, não quer que eu fique nu diante dela.
Alexandre riu e Sílvio sorriu sem vontade.
SELVA SILVIO SELVA SILVIO SELVA SILVIO SELVA SILVIO SELVA
SELVA
TOCAIA - CAPÍTULO 5
OBRIGADA, SENHOR, POR TUDO!
FAZEI DE NÓS INSTRUMENTOS DE VOSSA PAZ!
NÃO PERMITA QUE NOS APARTEMOS DE VÓS
OBRIGADA POR PODERMOS SONHAR!
DEUS ABENÇOE A TODOS!
OBRIGADA!