SELVA - A VOLTA DA ÁGUIA - CAP. 3
SELVA
A VOLTA DA ÁGUIA – CAPÍTULO III
No dia seguinte, bem cedo, Alexandre saiu novamente para caçar. Voltou ao lugar onde havia apanhado a águia, na esperança de encontrar alguma outra, mas a única coisa que conseguiu apanhar foi um coelho e mais duas codornas.
Ia voltando para a cabana quando ouviu o pio agudo de uma águia. Por um momento pensou estar ouvindo coisas e parou. Por mais duas vezes ouviu o mesmo pio e olhou para o céu.
Lá estava ela e parecia ser a mesma do dia em que encontrou Sílvio, pois sobrevoava sobre ele como a observá-lo.
- Não pode ser! – murmurou. – Eu não atirei em você, danadinha?
Jogou a caça no chão e armou novamente o rifle, mas quando estava pronto para atirar, a ave mergulhou na mata e desapareceu. Alexandre estranhou que ela baixasse à terra ao invés de voar para longe. Desistiu de pensar no bicho e resolveu ir mesmo para casa. Estava já a caminho quando ouviu chamarem seu nome:
- Alexandre!
Virou-se e viu Sílvio a poucos metros dele.
- Oi! – falou surpreso. – Resolveu voltar? Acabou meu estoque de ataduras. O hospital fechou por falta de verba.
Sílvio sorriu.
- Por pouco não preciso delas de novo. Você tem ótima pontaria.
Alexandre não entendeu a insinuação.
- Como é que você sabe?
- A águia...
- Você a viu? É um bicho esperto como eu nunca vi igual. Deve ser a fêmea da que eu matei naquele dia.
- Você não matou aquela águia.
- Claro que matei! Se não matei, ela morreu depois, depois que a roubaram de mim... Deve ter ido pro papo de algum espertinho aí. Não foi você mesmo?
- Não, Sílvio respondeu, rindo.
- Como está o ferimento?
- Bem. Voltei pra te agradecer. Não fui muito justo com você ontem.
- Que é isso? Meu pronto socorro está sempre às ordens.
- Queria fazer alguma coisa pra te ajudar... Queria te agradecer de alguma forma mais... efetiva...
- Eu não preciso de nada. Obrigado. Aliás... preciso sim.
- O quê?
- Apanhar aquela bendita águia. Se eu perdi a outra, quero ter essa pra mim. Sou capaz até de nem matar só pra ficar olhando no olho dela e dizer todo dia: Te peguei, danada!
Sílvio ficou sério de repente.
- Você também caça?
- Não...
- Que pena. Então não pode me ajudar. Fica pra outra vez.
- O que você faria, de verdade, se pegasse a águia?
- Não sei... Um bom ensopadinho talvez, brincou ele.
- Você quer matá-la só pelo prazer de matar?
- Quem é você? Fiscal do IBAMA? Algum ecologista perdido por aqui, é?
- Pra onde você acha que ela foi?
- Não sei. Mergulhou na mata e sumiu, pouco antes de você aparecer. Aliás, você e as águias têm alguma coisa em comum. Elas somem e você aparece no espaço.
- Onde você colocou a bala que tirou de mim?
- Nem sei. Deve estar na cabana ainda. Por quê?
- Ela vai te provar... que você não matou aquele animal.
Alexandre franziu as sobrancelhas sem entender.
- O quê?
- Eu sou a águia, Alexandre.
O rapaz ficou surpreso de início, mas depois começou a rir.
- Você é maluco! Dá um tempo, cara. Eu tenho mais o que fazer.
- Olhe a bala. A bala que você tirou de mim veio do seu rifle. Foi você que atirou em mim, anteontem.
Alexandre ficou olhando para ele entre incrédulo e perplexo, sem saber se acreditava ou quebrava sua cara. Deu as costas e voltou rápido para a cabana. Correu ao local onde havia deixado a bala e examinou-a. Viu que o que Sílvio dizia era verdade. Era uma das balas do seu rifle. Sílvio estava na porta da cabana quando ele se voltou. Alexandre ficou olhando para ele assustado e sem saber o que fazia. Apanhou o rifle e apontou para ele.
- Quem é você? Algum bruxo?
- Baixa esse rifle. Agora quem não quer te fazer mal nenhum sou eu. Eu te devo a minha vida, por isso voltei pra te explicar tudo. Te devo uma explicação. Baixa essa arma.
- Você não me deve nada. Só vai saindo daqui rapidinho porque de louco já chega eu que fico nesse meio de mundo sozinho com doidos como você. Dá o fora!
- Eu preciso da sua ajuda, Alexandre.
- Pra quê? Curar sua cabeça? Não sou psiquiatra.
- Eu não sou louco. Posso te provar isso.
- Como?
- Desarma o rifle.
- Nunca! Eu não confio em você.
- Tudo bem, mas, se você atirar, quem morre é você.
- Que é que você vai fazer?
Sílvio não disse mais nada. Fechou os olhos, baixou a cabeça e respirou fundo. Seu corpo transformou-se, como por encanto, no de um pássaro que Alexandre, totalmente tonto, reconheceu como sendo a águia na qual ele havia atirado dias antes. O animal foi pousar nas costas de uma cadeira perto dele e ficou olhando para ele, quieto.
- Meu... Deus! – falou ele, mal podendo respirar.
Alexandre aproximou-se devagar do bicho e estendeu o braço, onde a águia foi pousar tranquila sem demonstrar medo dele.
- Cara, isso é fantástico! É como naquele filme... “O Feitiço de Áquila”... Só que lá é uma garota que...
A águia voou para outro canto da cabana e em pouco tempo, Sílvio reapareceu em seu lugar.
- Como você faz isso?
- Não é por diversão, acredite. Confia em mim agora?
Alexandre começou a rir e sentou-se numa cadeira.
- Só comigo acontece essas coisas... e quando ninguém está olhando. Você podia ter sido minha janta, naquele dia, sabia?
- Por que você acha que eu fugi?
- Ferido, você não iria muito longe.
- Melhor morrer no mato que... como janta de caçador.
Alexandre riu a valer.
- Pra um bruxo, até que você tem bom humor.
- Eu não sou bruxo. Era um cara como você até... me apaixonar.
- Poxa! Paixão faz isso, é?
- No meu caso fez. Eu não tenho nenhum poder mágico nem vim de outro planeta. Nasci há alguns quilômetros daqui e... costumava caçar como você por essa mata.
- Aí o Governo do Estado te condenou a ser a caça, ao invés do caçador? – brincou Alexandre.
Sílvio não achou graça.
- Eu estou falando sério. Se você não acreditar em mim, depois de tudo que viu, eu... não vou ter mais com quem contar. Eu não tenho muito tempo...
- Tudo bem, tudo bem, desculpe. Continue.
Alexandre colocou o rifle no chão e dispôs-se a ouvi-lo.
SELVA SILVIO SELVA SILVIO SELVA SILVIO SELVA SILVIO SELVA
SELVA
A VOLTA DA ÁGUIA - CAPÍTULO 3
OBRIGADA, SENHOR, POR TUDO!
FAZEI DE MIM UM INSTRUMENTO DE VOSSA PAZ!
NÃO PERMITA QUE EU ME APARTE DE VÓS
OBRIGADA POR EU PODER SONHAR!
SONHAR AINDA É DE GRAÇA!
BOA TARDE!