A Festa do Casamento
Mariazinha Gulosa já chegou ao casamento reclamando do calor, ai, que essa missa ainda vai demorar, minha nossa, quanta gente! Desse jeito não passo bem, e foi ajeitando o corpo avantajado em uma quina de banco, que é mais fácil pr´ajoelhar e levantar.
Comadres e cocotas à parte, mas em peso, pois as famílias eram grandes e, coincidentemente, apresentavam uma predominância maciça de mulheres, de todas as faixas, tamanhos e tipos, prato cheio para qualquer gosto. Isso, sem falar nos convivas. A noiva Janaína tinha, entre mãe, avós, tias, irmãs, sobrinhas e primas de primeiro, segundo ou terceiro graus, vinte e sete mulheres na família, contra onze homens. Armindinho, irremediavelmente marido a esta altura do campeonato, tinha família um pouco mais equilibrada, só dezoito mulheres contra o mesmo coincidente número de onze homens.
Todo esse povo estava se apertando em uma pequena igrejinha paroquial, daquelas que o vigário ainda não terminou de construir. Os da frente e os que estavam junto à passarela vermelha ainda se esforçavam para manter a postura, mas os outros, bem, a cerimônia mal se iniciara e já havia até gravata afrouxada. Mariazinha, por exemplo, enquanto ouvia o sermão feito para a prima, resistia heroicamente ao desejo de tirar os sapatos. Ante que me esqueça, preciso dizer que o dia era um sábado com uma tarde desgraçadamente quente, ao que se prometia uma noite pouca coisa menos desgraçadamente quente.
Enquanto escorriam os suores e as maquiagens, Mariazinha, lembrando-se do caudaloso sorvete com coberturas e nozes que tomara em casa antes de sair, sonhava com o comes-e-bebes de logo mais, hum...uma cervejinha gelada, o pavê da tia Cida, é, e prometeram dar um fogo no Armindinho que ele não ia levantar nem a mão do bolso, quanto mais...
“...esteja convosco, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém”. A benção final interrompeu seus pensamentos, que agora se atiravam à tarefa de conduzi-la logo ao carro do pai, daí para a casa do noivo, onde hum... uma cervejinha gelada, o pavê da tia Cida, nham! É lógico que ela não se esqueceu do abraço aos noivos, mas essa é uma coisa tão chata, e além do mais estava tão quente que, ao invés de aguentar uma bruta fila com todo mundo reclamando, é melhor irmos logo para a festa, ou melhor, festança, pois o que havia de comida, pernil, frango, churrasco, salgadinhos miúdos, pavê da tia Cida e outras coisas menos votadas, além de cerveja, chopps, ponche e refrigerante esperando era pra dar inveja até em mordomado.
Pois, pois, eis que tudo então corria com a animação calculada, embora as formas dessa alegria fossem um acinte às normas do bom degustar, mas vá lá, com meio mundo bebum ninguém estava a fins de preservar etiqueta.
Mariazinha estava até conseguindo eliminar um pouco da timidez e do seu complexo vale-quanto-pesa, aproveitando-se da situação mais-pra-lá-do-que-pra-cá do grupo dos marmanjos. Isso quer dizer que ela comia sem se preocupar com mais nada. Um dos amigos do noivo, tomado daquele acesso de seriedade tão comum aos bêbados, tentava discorrer sobre a importância do casamento na vida de um putanheiro, e tal, mas me diga uma coisa, Armindinho, quando o padre deu aquela benção pr’acabar, com Espírito Santo e tudo, que qui tu sentiu? “Eu, bem...Deus, tá bem, o jotacê ainda vá lá, mas o tal do Espírito de porco pode ficar aonde está que só quem põe a mão na Janaína é o papai aqui, ó...”
Deus, que sacrilégio, Pai, perdoai-o que ele está bêbado mesmo, pensou Mariazinha em voz quase alta, enquanto saía dando risada, com seu copo quase sempre cheio em u’ma’mão, pra buscar mais um pedaço de qualquer coisa pra fazer um tira-gosto, e chegando de leve vinha uma dorzinha de barriga, tem banheiro aqui fora, só que eu acho que tem gente mas não tem nada que eu espero um pouquinho, mas esse pouquinho já tá durando muito, aiaiai, deixa eu ir devagarinho pra dentro que tá fogo, antes que eu fique branca, vou deixar esse chopp mas é aqui mesmo, ai, ai, meu Jesus, meu Jesusinho, faz passar essa dor de barriga, senão ainda dou vexame, e eu até prometo me cuidar, nunca mais comer tanto assim, pedia, depois de lenta e dolorosa caminhada até a escadinha do alpendre, que tentava subir. E não adianta nada eu pedir ajuda, que é capaz de me atrasarem mais. Vou é chegar logo ao banheiro. Tá, tudo bem, respondeu a um cumprimento, espere um pouco que eu já volto...sim, sim...prometo.
Então (nossa, mas que falta de ideia para se começar uma frase!), nossa heroína Mariazinha Gulosa chegou até a sala e parou, encostada no batente da porta, sorrindo pafra todos e torcendo para que ninguém reparasse nas suas pernas juntíssimas e quase torcidas, bunda encolhida e respiração presa. Escuta, vocês conhecem aquelas historinhas em que o herói sofre, sofre, mas no fim dá tudo certo? Pois é, foi o que não aconteceu com Mariazinha. Depois de tanto esforço, reza e promessa, ela já estava chegando quase ao meio da sala, quando não deu mais...”e do riso fez-se o pranto”. Mariazinha se cagou.