A caçada transcendente

Sequioso, o corpo pungente e a mente frenética, Onofre seguia mata adentro a procura de uma espera. Já passara do meio dia, a sede era continua o calor afadigava seu corpo franzino, e o seu único pensamento era encontrar um riacho para saciar sua sede e revigorar suas forças. Estava perdido com certeza naquela floresta cosmopolita. Foi uma imprudência entrar na floresta sozinho sem conhecê-la, mas as circunstâncias o levaram a isso.

Quase esmaecido ele ouviu um som que o deixou empolgado, sua intuição dizia-lhe que se tratava de um ribeirão. Com diligencia venceu o espaço que o separava da fonte e saciou-se com exuberância. Redivivo, encheu seu cantil e prosseguiu sua jornada. Ao entardecer, encontrou um lugar acme para fazer um trepeiro e ficar a espreita da caça. Depois de acomodado na rede que armara na extremidade de duas arvores majestosas, Onofre reporta seu pensamento ao passado, vem lhe uma saudade fomenta da sua adorável esposa e de seus filhos singelos e obedientes. Como ele almejava ter condições para proporcionar a eles uma vida confortável. Estavam morando de favor num casebre que um primo lhe emprestara. Outrora sua família morava numa quinta prospera, viviam alegres e satisfeitos até que sobreveio sobre sua oriunda terra um inverno fora de época intenso, vigoro e agressivo devastando os campos já arados e as lavouras próximas da fase da colheita. Quando cessou os ventos e as chuvas, para refazer os plantios e manter a família ele fez um empréstimo hipotecando sua propriedade como garantia.

Com afinco Onofre contratou trabalhadores e junto araram a terra e concluíram a seara. Comprou alguns animais como bovinos, suínos e aves a fim de progredir com êxito e quitar sua divida com o banco. Tudo ia de vento em polpa, entretanto o verão se propagava, há meses não caia nem um orvalho sobre a terra. Os ribeiros, açudes e rios cessavam e a terra se tornava cada vez mais desidratada. Os pastos não mais viridentes contribuíam para o definhamento dos rebanhos. A situação se agravava a cada dia. Por não chover a seca veio com tudo matando as plantações e os animais. Eles não tinham mais condições de permanecer ali então a única solução foi abandonar a terra e partir em prol de sobrevivência.

Passou as escrituras da quinta para o banco, fizeram a matula com os poucos pertences que podiam carregar e por dias viajaram sob o sol escaldante e a lua cintilante, parando apenas para dormir na madrugada e paliar a fome com o pouco de alimento que lhes restavam. Prosseguiram nessa labuta até por fim chegarem numa cidade vizinha na qual foram hospedados e alimentados por seu bondoso primo Benedito.

Passado uns dias Benedito chamou Onofre e lhe aconselhou ir para a região da serra. Ele ouvira falar que no local havia a instalação de uma firma exploradora de minérios e sendo assim provavelmente ele iria conseguir um emprego mesmo que fosse braçal. Disse-lhe que não se preocupasse com a esposa e os filhos, pois enquanto ele estivesse fora não iria deixar de prover o alimento para eles. Onofre muito agradecido seguiu as instruções do primo e no dia seguinte despediu-se da família e partiu para a região indicada. Após um dia de caminhada ele encontrou uma casa e pediu abrigo para passar a noite visto que estava muito exaurido. O dono da residência deu-lhe amparo e lhe ofereceu um prato de comida, depois de cearem conversaram um pouco. Seu anfitrião indagou-lhe de onde vinha, para onde ia e o que buscavas. Foi então que Onofre menos fatigado contou ao moço tudo que passara nos últimos tempos e que seguia para a região da serrar a fim de se empregar.

– Ouvi dizer que há um minério raríssimo naquela região e isso tem atraído muitos predadores, homens gananciosos que não respeitam a natureza. Tenha cuidado filho, há muitos mistérios místicos no centro da terra por isso nunca perca a sua essência. Aconselhou-lhe o anfitrião.

– Senhor não almejo riquezas ou posses, tudo que tenho de mais precioso é a minha amorável família e a minha labuta é com o objetivo de suprir as nossas necessidades. Falou Onofre fitando intensamente o arrebol.

Despois da prosa se recolheram para dormir e previamente Onofre agradeceu a gentileza e a hospedagem dizendo que iria partir com o surgir da alvorada, mas que esperava futuramente recompensa-lo pelo o apreço que lhe dedicado.

Quinze dias depois Onofre consegue chegar ao seu destino. Ao avistar as instalações de barracos e galpões sente se mais animado. Todavia perde o animo em seguida ao constatar que não havia ninguém ali. Não tinha vestígio de habitantes, a realidade demostrava que os alojamentos tinham sido abandonados. Apreensivo ver sua esperança se esvaindo, tudo em volta parecia lúgubre o que o fazia sentir-se totalmente macerado. Hirto e desatinado sentou-se debaixo de um carvalho com as costas encostada ao seu tronco. Truncado acabou adormecendo. Foi despertado por um barulho atroante que logo se dissipou. Ele ainda desnorteado observou o cair da tarde e ficou a observar o horizonte rosicler tentando maquinar uma saída para a atual situação. Estava em estado pungente tanto fisicamente como emocionalmente quando a serenidade foi interrompida pelo retinir de galopes de cavalo sobre a folhagem seca. Convulso pôs-se de pé a espera do forasteiro que parecia vir em sua direção.

Numa fração de segundos surgiu na clareira um mancebo de meia idade, de porte galante e bem apessoado montado em um grandioso alazão. Ao avistar Onofre o cavaleiro diminuiu a velocidade do galope e foi ter com ele, estóico o cumprimentou e lhe interpelou:

– Diga-me o que o senhor faz aqui?

Onofre sentiu-se aliviado por ver uma alma vivente. Afável respondeu ao cumprimento e elucidou a que viera a aquele lugar. Então o visitante disse-lhe que se não quisesse fenecer ali, teria que partir imediatamente, pois aquela região pertencia a uma divindade e era mal-assombrada. Que os néscios homens que tinha se instado ali para extrair a riqueza mineral não escaparam da fúria mitológica e desapareceram sem deixar vestígios como ele próprio podia constatar. Ainda lhe relatou rituais macabros e castigos sobrenaturais que se sucedia com quem ousasse invadir a região. E mais uma vez o aconselhou a ir embora antes da escuridão da noite chegar, pois era isso que ele estava fazendo, mas não poderia leva-lo consigo visto que seu alazão estava quase combalido.

Incisivo e com serenidade de espirito, Onofre agradeceu o mancebo e disse que não se preocupasse com ele, que iria procurar uma furna apenas para passar a noite, pois precisava de repouso para aviventar-se e que na manha seguinte retornaria para sua família.

O cavaleiro proferiu um aceno e galopou velozmente sem olhar para trás sumindo pela trilha de folhas secas, deixando Onofre petrificado a refletir no dialogo proferido entre ambos. A advertência do moço lhe incomodou copiosamente, porém ele tinha consciência que precisava reagir. Recompôs-se, comeu o último pedaço de pão que lhe restava e bebeu também o pouco de água que havia no seu cantil. Colocou sua matula nas costas e caminhou atentamente. Ele sabia que de alguma forma estar ali era periclitante e tinha que ficar atento aos segredos eminentes da vasta natureza. Bem que lhe seria útil ter ao seu lado um cicerone, mas como não podia contar com tal ajuda, teria que se revelar erudito para se manter a salvo. Seguiu uma varrida estreita e oposta a que o cavaleiro se fora. A noite se aproximava e ele apressou o passo, logo adentrou uma infinidade de arbustos mesclados com uma infinidade de murtas fechando a passagem, mas a dificuldade não o impediu de prosseguir e acabou encontrando um vale. A visão era deslumbrante! Com passadas largas alcançou as margens e sôfrego, despiu-se e mergulhou nas águas cristalinas. Deixou-se ficar ali até saciar sua sede e revigorar suas energias.

Após o efêmero relaxamento se embrenhou na mata a procura da furna, e teve sorte, pois deu de encontro com uma rocha majestosa com uma abertura no centro, cuja lhe serviria de abrigo. Acomodou-se, fitou o céu repleto de estrelas que amenizavam a obscuridade noturna. A consonância natural contribuiu para que ele adormecesse rapidamente.

Acordou por uma voz eminente chamando o seu nome com retumbância. Meio atordoado levantou-se saindo do abrigo para discernir o que se passara, ou seja, descobrir quem o chamava tão intensamente. Vislumbrou no meio do vale a imagem de uma ninfa, uma divindade revestida de beleza magnânima, extraordinária, incongruente com o mundo real. Ela flutuava sobre as águas olhando veemente seus olhos já hipnotizados por aquela indescritível beleza! Então com a voz ainda mais encantadora e melodiosa pronunciou:

– O-no-fre! O- no-fre! O-no-fre! Quais as tuas reais colusões?

Nesse meio termo, uma legião de criaturas miscigenadas de anjos e lobos disseminava ao seu redor. Ele tentou esquivar-se, porém foi bloqueado pelas criaturas que se proliferavam aglutinante a cada piscada de seus olhos. Sentiu-se impotente e esperou de olhos fechados sua vida ser ceifada. Tendo na memória a lembrança da esposa e dos filhos.

Puseram-lhe uma venda nos olhos e foi suspendido do chão para os ares, foi ai que ele percebeu que estava voando escoltado pela a legião. De repente sentiu seu corpo sendo arremessado sobre uma plataforma macia, tratou de arrancar a venda dos olhos. Olhou para a nova realidade e viu-se no meio de um jardim sem vida e a sua frente havia as ruinas de um império de características nórdicas. Do meio das ruinas vislumbrou um assento régio e se direcionou para lá. Não conseguiu chegar muito perto. As criaturas mutantes se apresentaram formando um paredão. Diligente, ele tinha conseguido constatar que uma terrível maldição tinha recaído sobre aquele universo e que um encanto precisava ser quebrado para libertar aquelas criaturas e a divindade. Viu uma imagem ofuscada assurgir sobre o paredão de mutantes e em seguida uma voz, que ele já ouvira anteriormente, ecoou pelos ares:

– Se salvar-me, dar-te-ei um abastado tesouro!

Aquela frase repetiu-se por três vezes, então Onofre conturbado acordou e se certificou de tudo tinha sido apenas um sonho respirando aliviado e ao mesmo tempo impressionado, em seguida voltou a adormecer. Na manha seguinte recordou o sonho que tivera e lembrou-se do aviso recebido do mancebo no alojamento abandonado. Murmurou algumas palavras sem lógica decidindo que não poderia voltar de mãos vazias, e por isso iria adentra mais um pouco a floresta a procurar uma espera para levar pelo ou menos uma carne de caça para a família. Tinha sal e alho e poderia salgar a carne para não estragar durante o regresso.

O canto de um pássaro noturno o faz voltar ao tempo presente. Viu que já era quase madrugada e nada de aparecer uma caça. Com o coração dolente sentiu uma lágrima rolar pela face, estava confrangido sem saber como amenizar aquela pobreza extrema, achou que apenas um milagre reverteria àquela situação. Foi ai que ele ouviu pisadas distante e recobrou o animo, ficou até ditoso com a possibilidade de matar algo para dar cabo na fome que sentia e também levar algo para a família.

Uma vez que as pisadas iam ficando mais nítidas, Onofre fica encabulado por concluir que não são pisadas quadrúpedes e sim bípedes. Ele era um caçador experiente e jamais havia presenciara tal fato. Aquela constatação lhe causou certo receio, porém manteve-se firma a espera do alvo. Quando as pisadas estavam bem próximas ele acendeu a lanterna, mas não visualizou nada e as pisadas continuavam. Desligou a lanterna e ouviu as pisadas passando por baixo da sua rede. Um calafrio dominou seu corpo e pensou de alumiar para onde as pisadas seguiam, então lhe ocorreu um aviso no pensamento, que se ele alumiasse se assombraria. Sabiamente ele desceu do trepeiro e anelante virou as costas para as pisadas e as seguiu caminhando de costas. Ao romper da aurora as pisadas cessaram. Assentou-se no chão sem olhar para trás, a fim de descansar suas pernas que estavam em estado debilitante. Vencido pela fadiga perdeu a noção do tempo e pegou no sono. Entretanto seu subconsciente estava tão determinado em desvendar o mistério das pisadas que logo despertou. O Sol já estava alto e a floresta bem clara, fato que o fez criar coragem e sondar a região. Retomou a jornada caminhando de frente. A cada passada a paisagem ia se modificando, era como se ele estivesse viajando por diversas dimensões. De repente ele ouve um grito agudo dizendo:

– Onofre salva – me!

O mesmo se repetiu por três vezes. Aquela voz já era familiar para Onofre que se impressionava demasiadamente com aquela imploração.

No fim da trilha que seguia se deparou com um paredão de cinábrio que ofuscava lhe a visão com a vermelhidão esplendorosa. Ele observou tentando descobrir uma forma de passar para a outra dimensão. Sem achar resposta bateu três vezes o seu punhal na rocha central e imediatamente o punhal ficou tão vermelho e cintilante que ele se assustou, mas o mais impressionante foi que automaticamente a rocha se rompeu dando lhe passagem. Sem entender o ocorrido ele não perdeu tento e adentro a rocha. Adiante caiu num buraco camuflado com relva e acabou desmaiando. Voltando do desfalecimento, teve uma grande surpresa: a ninfa com a qual ele sonhou e lhe pedia socorro, estava presa numa gaiola enorme erigida de labaredas de fogo e em volta rodeado por um altar de ferro e bronze esculpidos vampiros, cavalos e serpentes na forma original e na forma mutável. No centro da gaiola a ninfa estava com os braços amarrados para cima com uma espécie de corrente escura e o seu corpo estava rodeado por um ofídio asqueroso.

Quando Onofre desviou o olhar para os lados viu se aproximando uma corja de criaturas alienígenas semelhantes às esculturas no altar. Porém os pés deles era pés de humanos em tamanho gigantesco com os dedos para trás e o calcanhar para frente.

Fechou os olhos e voltou seu pensamento para a esposa e os filhos. Seu devaneio foi desfeito pela voz do cavaleiro que conheceu na clareira do alojamento abandonado, a dizer:

– Como ousa me afrontar? Como se atreve invadir meu império autocrata? Eu o avisei para fugir.

Cético e incrédulo arregalou os olhos para o cavaleiro, ao mesmo tempo as criaturas em volta começaram harmonicamente proferir uma melodia plangente, em forma de saudação ao preceptor que chegara e num passe de mágica foi perdendo sua forma de homem sendo transformado num monstro fulvo. Onofre perdeu o folego e ficou se perguntando mentalmente se aquela cena seria real ou ilusória.

– Não acatou meus conselhos! Agora terás o mesmo destino de todos aqueles que tentaram roubar meus tesouros, meus metais raros e todas as minhas espécies de pedras preciosas. A criatura chispava fogo pelo os olhos e esbraveja com fúria. Cuspia brasas vivas e o odor de enxofre ia exalando o ambiente.

Tentando escapar com vida, Onofre arquitetou um plano e falou com voz altiva:

– Não vim aqui para roubar, não tive a intensão de invadir seu cósmico. Só cheguei até aqui porque me perdi.

A criatura furiosa o açoitou e disse:

– Pela tua coragem vou te conceder a vida, mas terás que esquecer que um dia pôs os pés nesse universo. Contudo antes de partir vou te mostrar o que faço com invasores. Levou-o para dentro de uma caverna cujas paredes estavam forradas por esqueletos e no fundo tinha uma montanha de pedras preciosas.

Onofre cordialmente agradeceu a criatura por lhe poupar a vida e seguiu o caminho de volta. Todavia escondeu-se nos arbustos e ao meio dia mais ou menos ele pegou o punhal do bornal e apreensivo deixou o esconderijo. Caminhou pela lateral a fim de libertar a maga do seu sonho. Foi ai que percebeu que todos os mutantes estavam dormindo, isso permitiu que ele agisse rápido e se aproximasse da gaiola, só que foi surpreendido pelo o monstro preceptor que veio ao seu encontro e falou:

– Então tu pensaste que eu realmente te libertaria?

Onofre pulou para cima do altar e quando o seu opressor lhe agarrou lutou bravamente para se livrar das garras da fera, de repente ele deixou-se cair fingindo-se de morto. A criatura sentou o altar e adormeceu também. No momento seguinte Onofre se levantou e pulou em cima da fera enfiando o punhal três vezes no coração e o seu sangue espalhou-se por todo o altar. As outras criaturas se evaporaram e a luz do Sol iluminou o cenário macabro, ouviu- se um estrondo e a divindade flutuou do cativeiro. O feitiço tinha se quebrado. No meio de um brilho sem igual à ninfa, divindade, maga (ele não sabia ao certo de quem se tratava) dirigiu lhe a atenção dizendo:

– Salvaste-me! Sou a mãe natureza dona de todas as riquezas e belezas. E por tu Onofre teres um coração nobre, conceder-te ei uma vasta riqueza.

Formou-se uma ventania e ele foi arremessado pelos ares. Quando se deu conta encontrava-se no local da espera e mais adiante havia dois cavalos, com os alforjes cheios de ouro e prata. Em cima de um deles tinha um enorme baú recheado de pedras preciosas. Onofre subiu no trepeiro, desatou sua rede, juntou sua matula e correu para montar o alazão que o esperava, pegou as rédeas dos aninais e partiu numa felicidade contagiante, ansioso pra rever sua amada família e começarem uma nova vida.

Enquanto galopava energicamente ele ia planejando recompensar todos que o ajudara nos momentos escassos e os seus conterrâneos que também perderam tudo, assim como ele.

Socorro Lopes
Enviado por Socorro Lopes em 19/07/2020
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