Até o próximo verão

No dia anterior tinha comentado com o marido como o filho havia crescido e se tornado um jovem tão responsável. A casa parecia vazia, solitária. Era como se os dois não estivessem ali. Esse clima começou a mudar quando a visita chegou na madrugada de sexta-feira. Havia crianças, cachorros e dois casais. Todos se acomodaram nos quartos do primeiro andar. A esposa ficou pensando quem eram aquelas pessoas que nunca havia visto. O marido ficava como sempre meio taciturno e distante daquela realidade. Para acalma-la, dizia para não se preocupar, pois eram pessoas conhecidas do filho, o querido filho jamais traria estranhos para a casa. A esposa até concordou, realmente o querido filho não faria tal coisa.

As idas do filho a casa eram sempre tão rápidas. Quase sempre se resumia a ir ao escritório no final do corredor, pegar alguns papéis e sair ligeiramente. O filho parecia não querer estar ali. Mas isso já foi diferente. O filho teve bons momentos naquela casa. Talvez o acidente tenha mudado um pouco seus sentimentos pelo lugar. A esposa comentava como aquele lugar parecia abandonado a algumas semanas, tomado por aranhas e pó e que se não fosse a mãe não teria nada na despensa. A mãe morava num sítio próximo à cidade. A esposa até pensou em ligar para agradecer, mas por algum motivo se conteve. A visita parecia bem à vontade. As crianças brincavam no gramado, jogavam bola, corriam na praia. A esposa reclamava de toda aquela areia, mas o marido dizia para deixar as crianças, já que fazia tanto tempo que não viam estripulias. E o que dizer dos adultos em seus banhos demorados. Acreditavam terem o Niágara ao dispor. A esposa sempre foi assim. Gostava de ser visitada, era uma boa anfitriã. No entanto, tinha um péssimo hábito de nem esperar as visitas dobrarem a esquina para reclamar de como ficaria caro e que todas essas festas no final de semana sairiam uma fortuna.

As festas realmente eram frequentes, a família sempre se reunia naquela casa. Por um momento a esposa ficou pensativa, não entendia porque não a visitavam mais. O que será que havia acontecido. Ela pedia para o marido lembra-la de ligar para os tios, para as primas e para os sobrinhos e saber o motivo. O marido sempre fazia suas vontades, mas por algum motivo ele estava sempre se esquecendo dos pedidos da amada. Ele dizia precisar de vitaminas. As vitaminas são boas para a memória. Eles não comiam há muito tempo. E nem sabiam explicar exatamente por qual razão. As visitas passavam bem. A mesa estava sempre farta.

O pior eram as noites. Estavam numa região litorânea, era verão e as noites pareciam sempre tão frias e nebulosas. O marido tinha a mesma sensação, mas era visível que só os dois tinham essa percepção. Dormir também era algo que eles não faziam a muito tempo. Eles começavam a perceber que não pertenciam a este mundo. Era como si as pessoas não os notassem. Como isso poderia estar acontecendo, eles eram os donos da casa, os anfitriões. A esposa disse que ao amanhecer iria resolver isso. As coisas não podiam ficar daquele jeito. As crianças iriam tomar banho do lado de fora para tirar toda aquela areia antes de entrarem na casa, os cães não podiam mais subir no sofá e os casais iriam pensar ecologicamente no planeta e tomar banhos mais rápidos. O marido achou melhor não agir assim, seria uma indelicadeza e eles não eram disso. Era melhor esperar o filho chegar e ele mesmo iria resolver, afinal os visitantes eram convidados dele. A esposa não concordou, mas no final percebeu que não seria muito educado.

Na manhã de quarta-feira a casa estava novamente vazia. Já não existiam malas, nem carros, nem crianças, nem cachorros, nem os adultos. Todos haviam partido, sem ao menos dizer até logo ou obrigada e desculpa alguma coisa.

Os dias foram passando e a casa ficava de novo a pó e teias, esperando o próximo verão para se tornar habitável.

Alguemqueescreve
Enviado por Alguemqueescreve em 05/07/2020
Reeditado em 14/07/2020
Código do texto: T6997241
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