FUI ACUSADO PELOS MEUS PERSONAGENS (cap 1)

Maria e José estavam se conhecendo há um bom tempo. Eles...

- Ô ô ô. Eles um caramba!

Espera. Quem é você?

- Eu sou um personagem seu, ora.

Ué. Mas o que você está fazendo nessa história? E qual o seu nome?

- O meu nome não importa. E tem mais: estou cansado de fazer parte dessas suas histórias. Sinceramente eu me demito e entrarei com uma ação contra o senhor.

Mas que é isso? Eu mal comecei a história?!

- Nada disso, senhor "ai, eu escrevo histórias. Eu sou o dono da bagaça toda". Não me venha com churumelas nem disparates porque aqui o bagulho é louco, está ligado?

Por que você misturou linguagem culta com informal e gíria?

- Pelo simples fato de que eu quero ser AUTÔNOMO, meu caro escritor. Repito: A-U-T-Ô-N-O-M-O. Ouviu bem? Melhor... leu bem?

Autônomo de quê? Em que?

- Eu e mais vários personagens teus nos juntamos e decidimos abrir um processo contra sua pessoa por danos morais, ditadura editorial e pressão inspiracional.

Cara, que merda está acontecendo? Como assim? Quais personagens?

- Além do mais, nós recusamos aceitar os nomes que o senhor nos deu. A partir de hoje eu mesmo me darei um nome.

E qual será o seu nome, então?

- Sosípatro.

Que horror. Isso parece aqueles nomes...

- Para sua informação seu autor de meia pataca, tal nome encontra-se na bíblia sagrada. É um dos ajudantes do santo apóstolo Paulo.

Cara... por que essa agressividade? O que eu te fiz?

- O senhor existe! É isso! O senhor simplesmente existe! E por existir quer ditar a forma e todas as nuances de nossa existência. E isso, ao meu ver, se configura ditadura editorial. Não concordam Maria e José?

Espera. Eu nem apresentei os personagens direito e você já vai chama-los?

- É lógico? Quem foi que disse que é você quem manda? Chega dessa repressão autoral sua. A partir de hoje lutaremos pelos nossos direitos e seremos livres como a nuvem no céu. Venha José! Venha Maria! Debandem dessa patuscada que é a suposta história desse vil autor.

- É verdade. Estou saindo fora!

- Isso aí. Eu também. Queremos nossos direitos!

Ah! Mas essa é boa. José! Maria! Por que vocês estão seguindo esse... esse sei lá. Eu preciso de vocês. Iria escrever uma história de amor tão bonita. José, me ouça. Você seria um trabalhador rural e...

- O que? E me rebaixar a essa profissão? Nem morto. Por que eu não posso ser um médico ou um engenheiro? Por que tenho que me rebaixar a profissão tão medíocre quanto essa? Só porque o senhor quer?

Ei! Que preconceito é esse, rapaz? Na história que eu iria criar você não era desse jeito não.

- Na sua história, meu caro. Mas sem toda essa máscara que o senhor nos impõe, sim. Eu tenho preconceitos. E daí? Não posso? Sou mais eu e não fingirei ser tão bonzinho e nobre. Quero ser quem sou de fato. Vai me dizer que o senhor também não tem seus preconceitos?

Olha o que fala, José. É verdade que todos somos falhos. Mas eu queria criar um romance. Você seria um rapaz jovem que daria muito duro na vida para conquistar Maria, que seria filha de pais ricos, mas seria cega...

- Eu, cega? Mas por que cega?

Ah. Eu iria criar uma metáfora com a história de vocês, sabe. Tipo... o amor não vê posses, mas se doa. Eu não sei as palavras agora, mas o conto iria deixar bem clara essa ideia.

- Olha. Assim, autor. Sem querer ofender. Mas eu não quero ser filha de pais ricos não. Muito menos cega.

Oxe, gente. Que merda é essa? Agora eu tenho que obedecer o querer de vocês agora?

- A recíproca é verdaderia, autor. Eu, por exemplo, ao invés de filha de pais ricos, queria ser órfã. Morar num orfanato, sabe. Daqueles de novela mexicana. Depois crescer, enfrentar todo mundo, ter uma história mais alucinante... ah. E queria ser hippie.

Meu Deus do céu. Gente, eu não posso colocar vocês nessas situações. Não sejam incitados de forma errada por esse Sosípatro aí não. Se eu coloquei vocês com tais características, é porque se encaixam melhor na história. José... Maria... por favor, voltem. Preciso de vocês para criar a história.

- NÃO!

- NÃO TAMBÉM!

Sosípatro, seu infeliz. Olha o que você me causou. E agora? Como é que eu vou prosseguir essa história de amor sem personagens?

- Se vire! Afinal, você é o autor. Pode criar quantos lacaios quiser. Além do mais, já falei com todos os seus personagens e todos os que você ainda iria criar para amanhã comparecermos a júri. Abrimos uma queixa e você terá de responder.

QUE? Como assim falou até com os personagens que eu nem criei? Está maluco?

- Ora, ora, meu caro autor. Veja José e Maria aqui comigo. Eles tem opção de escolha se permanecerem no seu conto? Logicamente não. Terão que embrenhar-se numa regra totalmente tua onde farão apenas o que sua pouca e péssima inspiração os direcionar. É engraçado, no entanto, que quando o senhor não sabe mais o que fazer com seus personagens, os mata, ou fica perguntando "e aí, gente? Me ajudem! Como vou terminar essa história?" E nós ajudamos, sussurramos nossa voz em seu ouvido surdo. Para quê? Para escrever a nossa versão do texto e VOCÊ, seu insípido... VOCÊ sair com a fama!

Ué, Sosípatro. Mas não foi sempre assim?

- FORA. Conjugue o verbo no infinitivo do passado. FORA. Não será mais.

Um minuto. Conjugue o verbo no o que? Essa nomenclatura não existe.

- E por acaso o senhor sabe conjugar verbos perfeitamente?

Bom... mais ou menos. Às vezes...

- Às vezes uma crase no seu fucinho! Cansei de ler histórias suas onde o personagem teria que fazer tal coisa, mas já tinha feito porque o senhor colocou "ele teve que fazer isso" no lugar de "ele teria que fazer isso". Fora a concordância de suas frases que são de dar dó.

Está bem. Eu admito. Meu domínio da língua não é dos melhores, mas...

- SEM MAIS! Amanhã nos veremos no tribunal! Vamos José e Maria. Aliás... querem trocar de nome? Vocês podem.

- PODEMOS?

- PODEMOS?

- Claro que podem. Esse insolente não irá mais colocar as suas mãos suadas e tremulantes em nossa vida pessoal. Escolham um nome para vocês.

- Bem... sendo assim, ao invés de José, me chamarei Horácioh. Com "H" no começo e no final.

- Perfeito! E você, Maria?

- Olha... já sei. Maria me parece nome de avó ou de santa. Quero me chamar Tangerina. Isso. Tangerina.

- Tangerina... tem certeza?

- Ué? Você quis se chamar Sosípatro. Por que eu não posso me chamar Tangerina? Quantas pessoas você não conhece que tem nome de alimento embutido? KEVIN BACON? MR. BEAN como "senhor Feijão". Quantas CANDY existem no mundo? Sem falar na quantidade de pessoas com o sobrenome LIMA. Portanto, me chamarei TANGERINA. Sem mais.

- Bom... se é em nome da liberdade... que seja. Então sr. Horácioh e sra. Tangerina, venham comigo. Amanhã nós e muitos outros personagens estaremos no Tribunal aguardando esse autor picareta.

EI ESPERA! Se vocês estarão me acusando, quem irá me defender?

- Crie um advogado, ora. Use sua "inspiração" ou sua "criatividade" para tal. As queixas apresentadas amanhã serão muitas. Espero que ambas sejam muito boas advogadas.

MAS QUEM SERÁ O JUIZ?

- O leitor!

MAS O LEITOR NÃO VAI ESCREVER ISSO?

- Escreva o senhor. Afinal, o senhor também é leitor. Amanhã, sem falta!

Meu Deus. Ok gente. O jeito é colocar um

CONTINUA....

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 12/05/2020
Reeditado em 12/05/2020
Código do texto: T6945137
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