Uma casa de Satã
Uma casa de Satã
Alexandre Santos*
Uriah estava atormentado.
Ele não sabia exatamente porque, mas, há cerca de duas semanas, fora abandonado pela sorte companheira de toda a vida. Nada mais dava certo. Pior. Até mesmo aquilo, aparentemente, firme nos trilhos, pareceu descarrilar, desmontando o mundo que, aos poucos, pedra por pedra, construíra com tanto cuidado e carinho. Naqueles poucos dias, depois da descoberta do desfalque que vinha aplicando há anos, perdera o emprego em Yarrows, descobrira ser filho bastardo de um baronete falido e defenestrado da corte, além de recusado por antigas amigas, inclusive pela adorável Mary Jane Claudy, e abandonado por Salomé Suzie, a mulher que resgatara da prostituição na taberna mais mal afamada da City por imaginá-la apaixonada, sincera e fiel, fora agredido sucessivamente por lorde Theodore Milton, marido chifrado regularmente nós últimos meses, e por Timothy Methwen, credor cansado das desculpas de sempre, e perdera nos dados repetidas vezes até o esvair da última moeda entesourada nos últimos anos.
Se fosse homem religioso, Uriah se diria abandonado por Deus em função da vida pecaminosa a que estava entregue desde sempre.
Sem ter a quem recorrer, vendo apagar, uma a uma, as luzes que, bem ou mal, iluminavam-lhe o caminho e desaparecer as principais referências e maiores esperanças, Uriah - um homem de espírito fagueiro avesso às grandes provações - não suportou o tormento e, incapaz de enfrentar o Azar, deixou-se tomar pelo desespero máximo e decidiu por fim à própria vida. A maior das covardias seria seu último gesto de coragem. Mesmo confuso, num milionésimo de segundo, enquanto passava em revista muitas passagens da sua existência conturbada, Uriah pensou no Grand Finale e, tendo rejeitado o afogamento no Tamisa ou a explosão da cabeça pela garrucha, elegera o quarto do sobrado escuro no qual morava nos arredores do Bromley como portal do adeus.
O plano era simples. Depois de enlaçar o pescoço à corda vil amarrada à trave principal do telhado, se jogaria para a morte, saindo do inferno astral em que estava.
Mas, era mais fácil pensar do que fazer.
Naquele dia, a curta caminhada, de menos de um quilômetro, desde a taberna-testemunha do seu infortúnio até o sobrado de onde pretendia fazer a grande fuga, pareceu demasiadamente longa. A distância, sabia ele, era a mesma de sempre, mas a percepção de detalhes até então invisíveis, fazia o tempo escoar mais lento. Na realidade, tendo decidido sair da vida, martelado por um pensamento renitente que - sufocando as paisagens de sempre com feiuras inéditas - não o deixava esquecer as mazelas que o faziam um potencial suicida, Uriah sentia diminuir, a cada passo, a vontade de permanecer no mundo dos vivos. Ainda nas primeiras quadras, já começando, talvez, a travessia intermundos, começou a ver coisas. Contrastando com aquilo que vira no trajeto de ida - quando, lembrava Uriah, por todo o caminho pulsava animação, com barulho de arreios, conversa de pessoas, corridas de crianças, alvoroço de passarinhos e movimentos de todas as espécies -, agora, como se, de repente, tivesse surgido a guerra, um ar de abandono marcava o caminho com o silêncio e a fuligem que só as traças e os fantasmas sabem fazer.
Rapidamente, um outro tipo de realidade ganhava lugar na mente atormentada de Uriah, sepultando o passado indesejado e abrindo caminho para um novo mundo, ainda desconhecido.
Tomado pelo medo, ele se perguntava sobre o que teria feito para merecer aquele dissabor? Seria castigo por, sistematicamente, trair as promessas feitas a todas as meninas-moça que deflorara em troca de noivados e casamentos jamais realizados? Teria sido praga rogada por alguma das solteironas ou viúvas que sugara até abandoná-las ao fim do último guinéu? Teria sido o insulto rosnado aos anjos por algum dos arremedo-de-lorde que chifrara irresponsavelmente apenas para explorar as suas mulheres? Ou [teria sido] o eco reverberado contra si próprio das maldições por ele vociferadas aos capatazes que o fustigavam no estaleiro? Que pecado o fazia merecer uma coisa daquela? Indiferente a sua angústia, o mundo se tornava progressivamente mais feio e cheio de rancores.
Acossado pela nítida sensação de olhares penetrantes de um ninguém-sabe-o-que fisgando-lhe a nuca com intensidade crescente, cada vez mais atarantado por gargalhadas estridentes, cheiros nauseabundos e vultos desfigurados, Uriah acelerou o passo até converter a caminhada em uma pequena corrida cambaleante rumo ao patíbulo salvador. A pressão, no entanto, era muito forte e, sem suportar o choque da nova realidade, Uriah não conseguiu chegar à forca libertadora e perdeu os sentidos, caindo em plena rua.
Por sorte (ou falta dela), Uriah desfaleceu próximo a uma freira da Ordem da Estrela de Belém, a organização religiosa que, a serviço de Deus e da Coroa, em fiel cumprimento ao carisma designado pelo Papa e pelo Rei, desde 1247, cuidava do Bethlem Royal Hospital, no sul de Londres, abrigando e tratando loucos, lunáticos, retardados, idiotas e todo tipo de gente transtornada, permitindo circular nas ruas da cidade apenas anões, corcundas e coxos que, devidamente autorizados pelo keeper maior, mendigavam esmolas para sustento do manicômio.
Uriah jamais soube por quanto tempo permaneceu em choque.
Quando despertou, horas mais tarde, sentiu-se tranquilo, como se as razões que o levaram a nocaute tivessem desaparecido. Mas, a calmaria foi efêmera. Apenas o segundinho necessário para consolidar o despertar. De fato, negando-lhe tempo e retirando motivos para comemorações, tão logo saiu da letargia, Uriah descobriu-se numa sala escura e infecta. O piso era úmido e o cheiro de esgoto e excrementos, insuportável. Sem saber porque, estava acorrentado, preso ao chão, como se fosse um cachorro. E, de volta à angústia de horas atrás - desconhecendo onde estava, como chegara ou porque estava ali -, clamando por socorro aos berros, Uriah tentou desvencilhar-se dos grilhões com puxões progressivamente mais desesperados. Gritou e esperneou como nunca gritara e esperneara antes. Nada disso, no entanto, superou a desdita. Aliás, não tardou e, em alívio prontamente desfeito, viu chegar o keeper fardado que deu início ao seu calvário maior.
Ao contrário daquilo que Uriah esperava, ao invés libertá-lo, após dizer simplesmente "você está no Bethlem Royal Hospital, seu louco, filho da puta" e exigir ser tratado como 'senhor Helkiah Crooke', sem qualquer pergunta ou reclamação, em meio a todo tipo de xingamento, o keeper o surrou com socos e pontapés, espancando-o sem piedade. Como um celerado, o guardião bateu repetidas vezes, festejando as feridas e hematomas que provocava, como se fossem algum tipo de troféu, e, ainda por cima, exigiu calma e silêncio, como se a pancadaria fosse remédio para alvoroço. E bateu, bateu até cansar e não mais ouvir qualquer lamento.
Com o corpo dolorido e inchado, sufocado pelo fedor onipresente das casas construídas sobre esgotos, Uriah fingiu desmaiar e permaneceu calado e imóvel até uma bonança silenciosa indicar a saída do seu algoz - um sádico maluco, violento e covarde aprendiz de demônio, que, no seu entender, deveria estar na profundeza dos infernos. Só, então, desafiando o inchaço das pálpebras castigadas, se esforçou e conseguiu abrir um dos olhos para olhar em volta. Ficou pasmo. A sala era uma espécie de câmara de tortura com tapumes acolchoados e tudo. Pendurados em cabides espalhados pelas paredes, estavam palmatórias, cordas, algemas, eletrodos e outros instrumentos de maldade. Imobilizado e privado de qualquer chance de fugir, desaparecer, reagir ou, pelo menos, desmaiar, sem alternativa, assustado, inchado e doído, Uriah permaneceu em vigília, entregue ao sofrimento por uma pequena eternidade.
Horas mais tarde, desta vez, acompanhado de outros keepers igualmente fardados, o tal 'senhor Helkiah Crooke' retornou e, talvez para cultivar a tradição da casa, antes de dizer qualquer coisa, o cobriu de pancadas. Depois, sem qualquer informação a não ser um rosnado burocrático de 'hora da visita', Uriah foi brutalmente conduzido por longos corredores escuros e fedorentos, ouvindo choros, gritos, urros e outros sons do sofrimento que escapavam das celas lacradas existentes pelo caminho. Em cinco minutos, estava num pavilhão escuro, iluminado, apenas, por claraboias embaçadas, e subdividido em jaulas engradadas, empanturradas de prisioneiros - homens e mulheres maltrapilhos, pobres-diabos seminus, esfolados, imundos, enfurecidos, marcados por graus diferentes de deformidades e, nitidamente, transtornados, alguns, inclusive, ensacados em camisas-de-força. Foi numa dessas celas que, com mais um violento safanão, Uriah foi empurrado pelo keeper.
Uriah não sabia, mas, o grande horror estava por começar.
De repente, trazidos desde o guichê, na entrada do Bethlem Royal Hospital, onde gentilmente tinham doado um penny para a obra da Igreja, até o portal do pavilhão por dedicadas freiras da Ordem da Estrela de Belém e, daí em diante, por keepers prestimosos, visitantes sorridentes, exibindo tíquetes (exatamente como fariam se estivessem numa rinha de galos ou de cachorros), se espalharam em alegre passeio pelo pavilhão. E, como se o manicômio fosse um parque-de-diversões ou zoológico e os internos, [fossem] fantoches ou animais, começou a famosa visita semanal ao hospício real - uma farra que, embora não integrasse o calendário oficial das festas da corte, atraia e animava a mais fina flor da sociedade britânica (no dizer do governador, aquele passeio era o 'frisson do freakshow'). Aliás, embora ninguém admitisse, era em momentos como aquele que, sob a guarda do Estado e protegidos por um biombo autorizado pela Igreja, os cortesãos davam vazão às próprias taras e liberavam estranhos instintos animalescos, aproveitando a oportunidade para se deliciar com a miséria humana, especialmente as aberrações extremas tão comuns no pavilhão aberto às visitas, como brigas desregradas, zoofilia, coprofagia, homofilia e outras coisas que fariam ruborizar o mais depravado dos demônios.
Diante das celas, Uriah viu com horror, os visitantes se entregarem ao sadismo e, sem remorso, se divertirem com a imoralidade santa e despudorada dos dementes enjaulados. Entregues a um tipo de sanha que, caso apreciada por olhar imparcial, poderia equipará-los aos lunáticos internados, os visitantes se divertiam tanto mais quanto mais grave fosse a perversão e o sofrimento testemunhados. No fundo, os visitantes torciam pelo imoral, pelo estranho, pelo pecaminoso, pelo esdrúxulo e pelo inusitado, como a ocorrência de brigas com mutilação ou morte, a comunhão de cópulas forçadas, especialmente daquelas não naturais, com animais ou com pessoas do mesmo sexo, as evacuações espontâneas, de preferência com a ingestão ou remessa de excrementos sobre alguém. Ansiosos pela degradação, os visitantes estavam otimistas. De outras visitas, sabiam que, se nada de interessante acontecesse, os keepers garantir-lhes-iam alguma diversão, fornecendo varas com as quais poderiam cutucar e bater nos homens-animais, arrancando gritos ou insuflando lutas sangrentas.
Da cela em que estava - sentindo que não resistiria àquele inferno por muito tempo e, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente, cairia na vala dos insanos -, mesmo conseguindo se esquivar dos malucos que circulavam em ambos os flancos da grade, Uriah não conseguiu passar ao largo da festa dos keepers e não conteve o vômito quando, bem ao seu lado, depois de uma longa sessão de sexo animal com a velha maso-ninfomaníaca já usada por muitos naquele dia, um demente caolho, após ver seu vizinho defecar no rosto da mendiga catatônica que, alheia a balbúrdia, dormia profundamente, o esganou e arrancou-lhe o nariz a dentadas para delírio entusiasta da plateia visitante.
Aquilo foi demais para a mente e para o espírito de Uriah.
Mais uma vez, quis morrer. Se pudesse, desapareceria naquele instante. Na realidade, faria qualquer coisa para escapar daquele manicômio. Se fosse a única forma, abriria mão, inclusive, de ter nascido. Era preferível não ter visto a obra de Deus na Terra, a viver naquelas condições. Qualquer coisa, pensou ele, era melhor do que estar naquele inferno.
E, imerso em pensamentos, Uriah teve um sobressalto.
E, se estivesse morto, curtindo pecados no inferno?, se perguntou.
Sim, aquilo era possível, pois, afinal de contas, há pouco, por questões menores, Uriah decidira por fim a própria vida e, sinceramente, como não lembrava daquilo que acontecera durante algumas horas, bem poderia ter alcançado o seu intento. Se estivesse morto, estaria certamente no inferno - um lampejo do catecismo a ele ensinado na infância distante, lembrou-lhe ser este o destino reservado aos suicidas, independentemente da gravidade dos pecados carregados. A morte por suicídio: este era o seu pecado imperdoável, concluiu Uriah. O mergulho em sua mente já confusa e, progressivamente, mais perturbada, o levou a deduzir que, sem dúvida, estava no inferno. Era isso, pensou ele, não havia dúvida.
E, sentindo-se distante do mundo de Deus, Uriah chorou.
Quanto arrependimento!
Aliás, lembrado da sua vida pecaminosa, Uriah reconheceu que, mesmo se não tivesse morrido pelas próprias mãos, provavelmente, também estaria no inferno por condenação expressa do tribunal do fim dos tempos. Na melhor das hipóteses, [o tribunal] o teria condenado a um longo período no purgatório. E, então, inteiramente alheio a degeneração física e moral que embalava a festa dos keepers, com o rosto banhado em lágrimas, Uriah entregou-se à mais profunda autocrítica. Deus estava certo em mandá-lo para o inferno. No primeiro instante de exame de consciência, Uriah descobriu alguns dos seus incontáveis graves pecados e, em contraponto, como poderia ter procedido para evitá-los.
Se tivesse outra chance, não desperdiçaria a oportunidade.
Se pudesse voltar no tempo, ele pensou, faria tudo diferente. Ele seria um outro Uriah. Não construiria a vida sobre uma plataforma de pecados, mentiras, ardis, golpes, trapaças, artimanhas, trambiques, mutretas, embustes, traições. Não enganaria pessoas que nele confiavam. Não se apropriaria daquilo que não era seu. Não iludiria mulheres e homens com promessas vãs. Não seria, enfim, o homem que fora. Ah! Se pudesse voltar no tempo. Se pudesse voltar no tempo, Uriah pensou, sinceramente arrependido, respeitaria a pureza, praticaria a sinceridade e a virtude, deixaria de cobiçar a coisa alheia, não atentaria contra o pudor e contra o matrimônio, ganharia o pão com o suor do próprio trabalho, cultivaria bons hábitos e daria bons exemplos, frequentaria a casa de Deus, seria generoso com os necessitados, paciente com os jovens e tolerante com os velhos, combateria o egoísmo. Não daria motivos para qualquer dúvida sobre seu compromisso com a obra de Deus. Uriah estava sinceramente arrependido do seu passado.
E aconteceu o milagre.
De repente, a conversa de Uriah consigo mesmo foi perturbada por um chamado.
- Uriah?
Ensimesmado, Uriah deixara de perceber a triste realidade circundante e, mesmo perto, estava distante do festim bizarro a sua volta. Alheio àquele mundo infernal, ilhado numa poça de urina, sangue, vômito e fezes, entregue aos próprios pensamentos, Uriah não percebeu quando, em meio ao sarcasmo e gargalhadas de visitantes e keepers, um olhar especial - inicialmente piedoso, depois curioso e, finalmente, ansioso - pousou sobre ele, como se não acreditasse naquilo que estava vendo. Fruto do acaso, em indiscutível presença do dedo de Deus, mesmo transfigurado pela sujeira e pela tensão, Uriah foi identificado por lady Mary Jane Claudy - jovem senhora que, depois de seduzida por ele, tempos mais tarde, fora abandonada, desconsiderada, desrespeitada e desdenhada, caindo em extrema depressão e, justamente por isso, levada pela prima Izabel ao Bethlem Royal Hospital para que, vendo um inferno pior do que aquele que a estava atormentando, viesse a reagir.
- Uriah? O que você faz aqui? - lady Mary não conseguiu esconder o espanto.
Em meio ao caos em que estava, inicialmente sem reconhecer a voz de Mary - a mesma que, em tempos pretéritos, por quase seis meses, acariciara seus tímpanos com palavras ternas de amor e carinho -, Uriah percebeu suavidade, algo estranho àquele mundo de trevas e maldade, e, repentinamente animado, quis ver a pessoa que falara seu nome. Não foi fácil, mas conseguiu abrir o olho infectado e, numa explosão de esperança, reconheceu Mary Jane Claudy.
- Mary. Mary - contrastando com aquele homem orgulhoso e, mesmo, prepotente de tempos atrás, Uriah a chamou e gritou por ajuda - Me ajude, Mary. Me ajude, Mary.
E, confirmando a caridade que marcava a índole dos Claudy, como se Uriah jamais a tivesse magoado, prontamente, como se não houvesse grandes barreiras a transpor, a mulher se propôs ajudá-lo. Quem conhecia os meandros do hospital, sabia que não era fácil ajudar um interno, especialmente se ele figurasse no grande espetáculo. Mesmo assim, sabendo que, desde as rigorosas regras estabelecidas pelo Rei para evitar que membros da corte tentassem montar seus próprios circos de horror, a liberação de internos do Bethlem Royal Hospital dependia da autorização do médico-chefe do Palácio de Buckingham, Mary não titubeou.
- Ainda hoje, Uriah, você estará fora desse inferno - e, satisfeita por ter descoberto a razão de Deus ter permitido sua ida àquele lugar horrível, Mary deixou o hospital.
Naquele dia, como sempre fazia, Mary visitou o filho. Desta vez, no entanto, ao contrário dos outros dias - quando, às vezes abusando da generosidade do filho, intercedia em favor das muitas pessoas que lhe pediam favores - Mary levava um pedido pessoal. Não era pequeno, mas [era] perfeitamente possível àquele que pode mais. Ela queria o imediato restabelecimento da liberdade de Uriah, um interno do manicômio real. Teoricamente, se apresentado a um lorde qualquer, o atendimento daquele tipo de pedido era muito difícil, pois, entre outras coisas, dependia de exames que apontassem a (quase impossível) recuperação do interno.
Mas, naquele caso, os exames eram desnecessários.
O filho de Mary - que por razões fora do alcance e da compreensão do homem comum, não dependia de exames, pesquisas ou estudos para saber das coisas - sorriu e, simplesmente, disse:
- Fique tranquila, mulher. Seu pedido será atendido.
Ainda naquela tarde, poucas horas após o término da visita semanal, em episódio inédito na longa carreira do keeper Helkiah Crooke, um interno ainda não identificado foi libertado do Bethlem Royal Hospital e entregue aos cuidados de lady Mary, por autorização expressa do doutor John Claudy, médico chefe do Palácio de Buckingham.
Conforme Mary prometera, Uriah estava livre do inferno.
NOTA DO AUTOR Fundado em 1247, em Londres, o primeiro hospital psiquiátrico, o Bethlem Royal Hospital, um priorado para freiras da Ordem da Estrela de Belém, adquiriu fama pela forma desumana como tratava os doentes e permitir que, mediante pagamento, visitantes pudessem irritar os doentes com varas e xingamentos e assistir a 'espetáculos' como lutas e sexo por eles protagonizados.
(*) Alexandre Santos é ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural