O segredo de Matilde

O segredo de Matilde

Alexandre Santos

Era um segredo guardado a sete chaves.

Incólume, vinha atravessando os tempos, ganhando nuances, há quase trinta gerações, compondo uma história inacreditável de obstinação, criatividade, ciência, arte, engenho e, sobretudo, mistério. Pela tradição passada de boca em boca através de confidências cochichadas sob juras de sigilo imorredouro por mães extremosas à filhas, afilhadas e protegidas nos estreitos limites da confraria formada no seu entorno, as delícias energéticas começaram a nascer ainda no século XVII, fruto da rebeldia, altivez e tenacidade de uma mulher obstinada e indomável, bem a frente do seu tempo.

Naquela época, desdenhando a ausência dos finos e delicados insumos que, sem qualquer regularidade, vinham do velho mundo em caravelas nem sempre bem sucedidas na travessia do Atlântico, a jovem Matilde - então recém casada com o senhorzinho Eudes - recorria à coisas existentes, brotadas e produzidas na bravia Terra Brasilis em experimentos de pura alquimia culinária para surpreender, até mesmo, paladares exigentes (como o das donzelas criadas da Europa) com quitutes tanto ou mais saborosos do que aqueles degustados nas melhores mesas da metrópole. De fato - como se não dependesse da importação de ingredientes trazidos por naus incertas, sujeitas a tempestades e piratas -, Matilde contornava o desabastecimento corriqueiro das bodegas, boticas e tabernas e, chovesse ou fizesse sol, fazia cheirar a chaminé, despertando inveja nas vizinhas e saliva em bocas por toda a vila.

Ninguém sabia como Matilde conseguia aquela proeza.

Embora muitos opinassem, oferecendo palpites de todas as naturezas, só Matilde sabia, de fato, como manter e melhorar a qualidade dos pratos na ausência das coisas trazidas do velho mundo. Era difícil acreditar, mas, para escapar da escassez, transformando a casa de fogos numa espécie de laboratório gastronômico, Matilde substituía ingredientes das sofisticadas receitas europeias por produtos locais, conseguindo resultados maravilhosos e que nada deviam às mesas europeias.

Mas, tatu, jaboti, mandioca, macaxeira, melaço, banana, jabuticaba, pitanga, maracujá, mangaba, ervas silvestres, coisas assim, eram rudes demais para satisfazer o arremedo de nobreza que animava e iludia a oligarquia incipiente da nova colônia. Se soubessem que os pratos eram elaborados sem os finos ingredientes vindos d'além mar a peso de ouro, as vizinhas desqualificariam as iguarias feitas por Matilde, comprometendo, irremediavelmente, a reputação da sua cozinha. Daí a decisão de, desde cedo, manter as receitas sob sete véus.

Este era o segredo de Matilde.

O grande segredo de Matilde.

Um segredo que, diga-se de passagem, além das razões surgidas com o avançar das pesquisas, por muitas outras razões, não estava disposta a escancarar ou, mesmo (como o padre ousara recomendar, como forma de reduzir as intrigas na paróquia), compartilhar com as vizinhas - no seu entender [dela], "umas fofoqueiras que, ao invés de cuidar da própria casa, viviam rondando o quintal alheio em busca de novidades".

No início, ainda insegura em relação aos conhecimentos que aprendia e desenvolvia com rapidez, Matilde agia como se contasse uma velha história com palavras novas, preparando simples imitações daquilo que se comia na Europa. Vale dizer que, embora menos charmosos do que os servidos na metrópole, talvez por serem igualmente deliciosos, mais baratos e imunes ao desabastecimento frequente, pouco a pouco, as versões tropicais desenvolvidas por Matilde conquistaram muitos fãs. A consagração de Matilde, no entanto, veio depois, quando mais segura (e, talvez, disposta a afrontar o invasor), [ela] apresentou um cardápio inédito repleto de novidades próprias de Terra Brasilis, consolidando a fama de 'maior cozinheira da Nova Lusitânia'.

Desde o começo da longa história da cozinha criada por Matilde, antes mesmo dos toques e aperfeiçoamentos introduzidos pelas sucessoras, os quitutes traziam encantos que seduziam pessoas por toda a Capitania, criando ardorosos fãs - desde aqueles que, prontamente, se apaixonavam pelos novos sabores, cheiros e vapores até os [fãs] que, ao primeiro contato, nitidamente, desenvolviam e exaltavam sensibilidades e capacidades, adquirindo estranhos poderes, passando pelos [fãs] que, mais práticos, apenas percebiam alongar do tempo entre a refeição e o retorno da fome, julgando-os [os quitutes] mais nutritivos e, mesmo, os [fãs] que neles (nos quitutes) descobriam qualidades medicinais.

Centenas de anos depois das primeiras fornadas, ao desfrutar acepipes da linhagem, as pessoas não tinham como imaginar os caminhos tortuosos trilhados até aquele estágio de sabor e nível de excelência. Ao contrário do que alguns chegaram a pensar, as delícias da cozinha de Matilde não surgiam do nada, espontaneamente, como por encanto ou inspiração divina. Na realidade, as receitas foram desenvolvidas no curso de um longo processo, fruto de muito trabalho, num esforço às caladas que, além de talento e pendor, incluía ciência, arte, vontade, método, paciência, esperança e perseverança.

Foram anos e anos de pesquisas, experimentos e pequenas e grandes descobertas.

Matilde, claro, não contara para ninguém, mas, aos pouquinhos - tendo, sempre, a si própria e ao senhorzinho Eudes como cobaias -, apurando sabores, ardores, consistências, fragrâncias e capacidade nutritiva, verificando aplicações, recomendações, consequências, colateralidades e restrições, [ela] testou um número incontável de possíveis ingredientes, estudando frutas, cascas, frutos, raízes, brotos, palhas, folhas, flores, florescências, fungos, ervas, seivas, tubérculos, pólens, ovos, ovas, larvas, carnes, vísceras, sangue, fluidos, ossos, cascos, unhas, nervos, cartilagens, escamas, estercos, peles, penas, pelos e couros. Pesquisou tudo. Arbustos, árvores, trepadeiras, cipós, capins, relvas, cogumelos, algas, peixes de água doce e de água salgada, répteis, insetos, moluscos, aves e mamíferos, bichos pequenos e bichos grandes, novos e velhos, raspas e venenos vindos de vegetais e de animais, pedras, cristais, terras e argilas. Desconfia-se até que, a partir da observação dos abutres e carniceiros, ela tenha feito estudos com seres mortos. Matilde combinou os ingredientes segundo muitos modos de preparo - incluindo rapés, polvilhos, farinhas, pastas, unguentos, infusões, chás, cremes, saladas, gelatinas, papas, molhos, caldos, sopas, assados, cozidos e frituras - em preparos realizados sob rigoroso controle. Repetiu cada experimento centenas de vezes, direcionando e calibrando diferentes intensidades de fogo, orientação dos cortes, condimentos e posições da bússola, observando-os nas diversas horas do dia, fases da lua e estações do ano, em rituais fielmente registrados no bulário geral das receitas.

A trabalheira foi grande, mas - ao lado de novos pratos -, transcorrido o tempo necessário à descoberta e assimilação dos conhecimentos mais profundos da natureza, [a trabalheira] produziu um novo patamar de possibilidades. De fato, como se fosse prêmio pela ousadia, obstinação e talento de Matilde (ou, quem sabe, destino ou merecimento desconhecidos), as pesquisas aperfeiçoaram e expandiram o conhecimento por ela acumulado e, progressivamente, fizeram surgir fórmulas que, enveredando o inacreditável, ultrapassaram a fronteira da lógica, dos sabores culinários e dos saberes científicos para atuar no campo da magia, em coisas sublimes como vida, amor, dor e morte. Assim, ultrapassada a fase inicial das descobertas gastronômicas, na qual formou amplo cardápio - incluindo conservas, marinados, apimentados, agridoces, gratinados, grelhados, recobertos, embutidos, flambados e contrastados -, Matilde obteve resultados para além da culinária e, mesmo, da farmácia, surpreendendo a si mesma com momentos de grandes emoções, pois os novos pratos satisfaziam o estômago, agradavam aos sentidos, evitavam e curavam doenças e, mais ainda, extrapolando o âmbito da cozinha, sob outras formas, como líquidos, cigarrilhas, perfumes, pós e borrifos, abriam caminho para um universo fantástico, livre dos limites e amarras das dimensões próprias deste mundo.

De repente, no entanto, num lampejo infinitesimal, ao atinar a amplitude daquilo que vinha fazendo, Matilde se percebeu bruxa. Até então, mergulhada em extenuantes e intermináveis pesquisas, ela não notara que sua arte passava ao largo dos ensinamentos da Santa Igreja, palmilhando um mundo de sonhos e de percepções extra-sensoriais sutis, inteiramente novo e, mesmo, inédito para a grande maioria das pessoas (inclusive ela).

Foi um momento grave e de muita incerteza. Por instantes, tendo presente o destino dado pela Igreja aos acusados de sortilégio, teve medo, muito medo, pois, embora produzisse alimentos deliciosos, nutritivos, saudáveis, não tivesse qualquer envolvimento com grupos pagãos, [não tivesse] feito pactos secretos com demônios ou pensasse em fazer mal a quem quer que fosse, Matilde sabia correr perigo. Ela lembrava de Branca Dias, que também não fizera mal a ninguém, mas, nem por isso, escapara da sanha dos doutores da Visitação, que, sem qualquer compaixão, a excomungaram e a condenaram ao fogo eterno dos infernos abissais.

Talvez esse fosse o seu destino.

É certo que, tão logo ganhou consciência dos fundamentos da nova realidade que ajudava a criar, Matilde superou o medo. Mesmo assim, eletrizada por calafrios sucessivos, ela temeu ser denunciada pelas vizinhas ou, mesmo, [ser] descoberta pelo padre, que não parava se sugerir o compartilhamento das receitas com as paroquianas. Contrariando a prudência recomendada para a situação - achando que ainda precisava permanecer na faina por algum tempo -, ao invés de mudar de ares ou abandonar os estudos, ela apenas redobrou os cuidados e, daquele momento em diante, já pensando em montar um sistema de segurança, enfurnou o laboratório nas profundezas do casarão em que morava. Sem notar, junto com o manto de segredo jogado sobre o local de trabalho, Matilde iluminava uma auréola de mistério sobre si própria, reforçando eventual acusação de bruxaria que lhe fosse assacada.

O tempo passou.

Registros encontrados muitos anos mais tarde num diário esfarrapado guardado sob um calhamaço de receitas, num dos vários baús espalhados pelo velho sobrado, disseram que, a exceção das breves e inevitáveis pausas para o nascimento das gêmeas Marlene e Milene, Matilde continuou na labuta até o dia que, em episódio nunca explicado - já velha e, finalmente, decidida sair de cena -, [ela] desapareceu sem rastro juntamente com o marido, deixando, além da profunda saudade no numeroso fã-clube, pequena confraria de pupilas e uma sucessora - a desconhecida e jovem Morgana, a qual, vale dizer, após mandato tão longo e profícuo quanto o dela (o diário registrava a descoberta de novas propriedades e aplicações para os elementos, inovação do cardápio e aumento da quantidade de adeptos e seguidores), sempre rechaçando ser referida como Matilde II como queriam algumas pupilas, ao perceber-se no epicentro de falatório capaz de colocar em risco o império herdado e ampliado, também desapareceu junto com o marido, dando lugar à igualmente desconhecida Minerva.

Depois de cumprir trajetória semelhante a das antecessoras, igualmente junto com o marido, Minerva também desapareceu e veio Mirtes e, depois de Mirtes, [veio] Medeia e, depois de Medeia, [veio] Mônica e, depois de Mônica, [veio] Melissa e, depois de Melissa, veio Marta e, depois de Marta, veio Mariah e, depois de Mariah, veio Morgana e, depois de Morgana, [veio] Maya e, depois de Maya, [veio] Magda e, depois de Magda, [veio] Mafalda e, depois de Mafalda, [veio] Muriel e, depois de Muriel, [veio] Magali e, depois de Magali, [veio] Margareth e, depois de Margareth, [veio] Miranda e, depois de Miranda, [veio] Mirela e, depois de Mirela, [veio] Marilda e, depois de Marilda, [veio] Melinda e, depois de Melinda, [veio] Mabel e, depois de Mabel, [veio] Mercedes e, depois de Mercedes, [veio] Marcilene e, depois de Marcilene, [veio] Moema e, depois de Moema, [veio] Malvina e, depois de Malvina, [veio] Magnólia e, depois de Magnólia, [veio] Mira e, depois de Mira, [veio] Meg e, depois de Meg, [veio] Melânia e, na sequência, muitas outras até o dias correntes, quando, sempre auxiliada pelo marido e cercada de mistérios e segredos, uma sucessora de Matilde permanece enfurnada no laboratório a produzir conhecimentos gastronômicos, farmacêuticos e mágicos para criar e enriquecer cardápios apropriados a todos gostos, enfermidades e sonhos.

De fato, dando continuidade à saga iniciada quatrocentos anos antes, já sem recorrer aos caldeirões, fogueiras e fornalhas de outrora, uma sucessora de Matilde comanda o moderno centro de P&D da grande empresa sinalizada, apenas, por um M colossal - marca que, em função da diagramação estilizada, nunca é associado ao nome da mentora -, na busca, quem sabe, da pedra filosofal, da receita do gozo eterno, do toque de Midas, do mapa universal dos sonhos ou do passaporte para a grande viagem pelos tempos. E, de lá, fruto de fórmulas jamais divulgadas, surgem xaropes, essências, sementes, farinhas e gases que dão substância a culturas, bebidas e nutrientes projetados para gerar resistência, satisfação, vigor, torpor, sede, conforto, êxtase e dependência conforme o propósito desejado.

Pouca coisa vem a público, claro, mas muitos sabem da existência de pães, bolos, carnes, grãos, hortaliças e refrigerantes desenvolvidos a partir de receitas secretas, [sabem] das lanchonetes franqueadas sob contratos específicos e rígido controle de qualidade, [sabem] de sementes que só germinam se tratadas conforme protocolo específicos, [sabem] da existência de vegetais e animais distintos daqueles da espécie original e [sabem] de muitas outras coisas.

Nos dias correntes, por onde quer que estejam, mesmo sem cogitar a existência ancestral da precursora e, na sequência, de muitas sucessoras, pessoas comem e bebem preparos vindos, direta ou indiretamente, da cepa de Matilde - são receitas, fórmulas, ingredientes, extratos, molhos, corantes, adoçantes, amaciantes, sais, aditivos, drogas, enxertos, híbridos, borrifos e condimentos, cujo emprego, prescrito e dosado conforme as necessidades, desejos e conveniências dos comensais, desde muito, vem embalando refeições, festas e diversões mundo afora.

Naturalmente, o desfrute da 'festa de Matilde' não ocorre da mesma forma para todos, variando em função do círculo de militância e dos níveis de prestígio e de prioridade atribuídos à pessoa pela confraria.

Na ponta mais numerosa - em contraste com o tratamento individual e personalizado dado aos integrantes do seleto grupo dos iniciados e protegidos -, tratadas como meros 'clientes', muitos são levados a consumir inconscientemente os segredos de Matilde, não só embutidos nos produtos vendidos em mercados e empórios da rede M, mas, também, nos pratos do cardápio regular oferecido nos bares, lanchonetes e restaurantes da cadeia. Vale dizer que, longe de saberem-se cobaias de complexos experimentos nunca admitidos, sem atinar qualquer relação entre fenômenos aparentemente desconexos (como, por exemplo, variações no nível de resistência ou fragilidade às doenças, aumento da longevidade e da estatura das pessoas ao longo das gerações, percepção coletiva de mudanças na velocidade do tempo, fazendo certos anos parecerem mais longos ou mais curtos, emergência de alergias e novas doenças como AIDS, depressões e autoimunidades, desenvolvimento de intimidade com novas tecnologias, modificações nos protocolos médicos alterando procedimentos aparentemente consolidados e alternando proibições e incentivos ao consumo de alimentos específicos) e, mesmo, sem atribuir responsabilidades ou suspeitar de drogas embutidas nas comidas e bebidas consumidas no cotidiano, as pessoas notam modificações, especialmente no tônus muscular, vigor sexual, densidade capilar, espessura da derme e da epiderme e na saúde dental.

Na outra ponta do espectro, ao contrário da plebe involuntária, atendendo a convite expresso, iniciados e protegidos participavam e participam da festa de Matilde conscientemente e, sem jamais expressar desejos abertamente, almejam coisas como recobrar ou manter a saúde, adquirir imunidade a doenças, desenvolver ou recuperar certas propriedades e talentos, superar problemas físicos ou psicológicos, alcançar níveis mais elevados de gnose e muitas outras. A lista dos desejos sempre foi enorme. Aliás, mesmo sem ter como interferir no tipo de tratamento programado pela confraria, os convidados se entregam plenamente ao processo com muita esperança, numa espécie otimista de voo cego. Na realidade, talvez por acreditar na generosidade dos pares, [por acreditar] na sorte ou não dispor de alternativa, os convidados confiam em que, mesmo quando seus propósitos pessoais não coincidem com os interesses da confraria, a poderosa dieta ministrada os leva a patamares superiores de excelência, aperfeiçoando-os mais e mais, num contínuo crescendo.

Os eleitos têm razão, pois, em fenômeno claramente perceptível, especialmente pelos mais graduados na hierarquia da confraria, os regimes praticados naquela ambiência vêm aprimorando a descendência dos pioneiros, fazendo surgir uma nova categoria de seres humanos.

Essa evolução - tão familiar aos áulicos da irmandade - também ficaria evidente à qualquer pessoa, se lhe fosse possível, mantendo a perspectiva panorâmica, viajar através do tempo para acompanhar o processo desde os primórdios, testemunhando as mudanças ocorridas paripasu com a construção da cozinha de Matilde. Nesse caso, o viajante do tempo perceberia a clara correlação entre a adoção dos cardápios da cepa e o desenvolvimento físico e intelectual dos comensais - que, a olhos vistos, progressivamente, ficam mais altos, [mais] fortes, [mais] inteligentes e [mais] sensíveis. Se, noutro viés, esse viajante tivesse a chance de estreitar o ponto de vista e percorrer as entranhas da confraria observando flashes da sua história tetracentenária, junto com doses crescentes de surpresa e, naturalmente, de perigo (condição advinda automaticamente da rígida cautela dedicada pela fraternidade para precaver-se de sabotagens, espionagens e ameaças às suas lideranças por estranhos e curiosos de todos os tipos), além de adquirir raro conhecimento sobre como seus líderes cuidavam do próprio corpo, também, perceberia incríveis semelhanças, especialmente naquelas existentes entre as sucessoras e respectivos maridos com a pioneira Matilde e o senhorzinho Eudes. Aí, por momentos, confuso pelos lampejos da viagem, já sem conseguir distinguir e localizar as realidades ocorridas em épocas diferentes e, evidentemente afetado pelas extraordinárias semelhanças entre pessoas tão distanciadas no tempo - e, por isso mesmo, sem limitar a capacidade de julgamento pela lógica -, o viajante poderia até pensar serem elas, as mesmas [pessoas]. A surpresa do viajante atingiria o clímax se, aprofundando o mergulho das incursões, em visita ao recanto mais íntimo do casarão ao final de cada uma das noites, qualquer que fosse o dia naqueles quatrocentos anos, após testemunhar o casal maior da confraria recolher-se à alcova - os corpos frescos e perfumados por sais, cremes e seivas, sem qualquer preocupação com a nudez intumescida, que, claramente, mostrava avidez pela conjunção carnal -, [ele] não confirmasse a semelhança, mas, também, ouvisse a mulher, qualquer que fosse o nome usado na época, dizer ao marido:

- Venha, Eudes.

E, em resposta, qualquer que fosse o nome que ele usasse na época, ouvir:

- A cada dia que passa, Matilde, fico mais apaixonado por você.

Só, então, estaria desvendando o maior segredo de Matilde,

Alexandre Santos é ex-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural