160 - Cento e Sessenta

A seguir tirou a máscara e a sua verdadeira cara, sósia da que mostrava mascarado, viu-se sob a intensidade dos focos. Valeu o gesto porque o público aplaudiu. Ele fez vénias a agradecer e seguiu para um camarim sujo e acanhado onde, uma vez mais tirou a máscara, a segunda e o rosto verdadeiro, um tanto mais avermelhado, surgiu igual. Sem surpresa, lavou a cabeça para afastar o pó branco que o envelhecia e olhou-se, rosto real do que fingia, ainda novo, ainda perverso, ainda parecido com a personagem que representava. O melhor papel, disse o ensaiador da Peça, é o que nos coloca no lado oposto de nós mesmos. É fazer o Santo quando somos o Diabo. O seu, no entanto, era igual, monotonamente parecido. No palco nunca representou por ser a alma falsa igual à verdadeira.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 06/02/2020
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