UMA ROSEIRA EM PENSAMENTO

Está bem. Eu vou contar tudo como foi, mas só pra você, ta?

Sou sim, uma roseira.

Um tipo bem desconhecido e até mesmo em extinção.

Não fui plantada. Nasci trazida pelos ventos, de uma terra muito distante e da qual eu tenho muita saudade, pois lá deixei muitos amigos e minha família. Quando minha semente caiu aqui onde estou até hoje, era um lugar agradável, uma terra fofa, com fartura de sol e água, agora olha só o que virou: um verdadeiro deserto.

Minha raiz era profunda e firme no solo.

Hoje tenho medo até de um vento um pouco mais forte, pois olha só, dá até pra ver a raiz de tão superficial e fraca. Quase não chove mais,o sol nem sempre aparece , está muito desconfortável, sabe?

Eu vou te contar um segredo: sabe por que eu ainda não fui arrancada daqui? Por causa da minha cor. É isso mesmo. Quando flori pela primeira vez, notei que todos se admiraram muito e me cercavam de cuidados.

Eu sou azul.

Azul mesmo, natural, sem enxertos ou qualquer interferência artificial. Eu me tornei até bem orgulhosa desta minha diferença e como eu gostava de florir, “me abrir para as pessoas”, para que me conhecessem, sentissem meu perfume que vinha lá de dentro de mim mesma espalhando por todos os cantos, e marcando a minha existência, muitas vezes chamada de exótica.

Era uma vida até divertida mesmo longe da minha terra.

Um dia uma pessoa passou por mim e me chamou muito a atenção, pela sua meiguice, sua beleza, seu andar calmo, o pouco falar, o que transformava tudo isto num certo charme.

Começou aí uma atração mútua, talvez também pela minha forma incomum de roseira.

E assim ela vinha sempre me regar, fofar um pouco da areia (que já começava a surgir junto com a terra), colocar adubo, enfim estava muito bom.

Eu da minha parte sempre esperava a chegada dela para me abrir e lhe dar o melhor do meu perfume.

Com o tempo eu fui me abrindo cada vez mais, e de repente sem eu mesma perceber ela começou a arrancar as minhas pétalas e eu comecei a perder aquele perfume marcante, que só eu tinha.

Com o tempo ela começou a me podar de todos os lados sem nenhum conhecimento da minha característica, se era para podar ou não, e assim outras pessoas começaram a fazer o mesmo comigo.

O pior de tudo é que eu não sabia como reagir: ou ficava paralisada ou chorava escondida, depois de tudo.

(aliás, como é comum nos homens, esta mania de podarem uns aos outros, não é?)

As plantas que me rodeavam no início e que muitas vezes me protegiam, quase todas já haviam morrido e apenas alguns musgos e cogumelos ainda estavam ali por perto. Acredita você que até os únicos dois brotos que tive, foram arrancados?

CHEGA! Agora só me permito a ser um pequeno botão e pulo logo pro chão pra ninguém me machucar...

Não quero me abri pra mais ninguém, me fechei mesmo! Cansei de tanto abuso.

Pensei que todas aquelas pessoas que me rodeavam e até mesmo viviam me elogiando, tinham amor por mim, que seus carinhos eram verdadeiros e seus cuidados desinteressados. Que nada! Queriam tirar o melhor de mim e o mais precioso, que é a minha identidade.

Aí não! Não mesmo!

Agora estou aqui, recolhida dentro de mim mesma, sem florir, e pensando: como foram bons aqueles momentos que passei “achando” que era admirada, respeitada, cuidada, amada e recebendo tanto carinho.

Agora que eu preciso realmente ser podada para me fortalecer, ainda vêm algumas pessoas sem saberem nada de mim e simplesmente arrancam meus galhos quebrando-me de qualquer jeito. Parece até que é o meu fim. Às vezes penso até que melhor seria não ser azul, e sim branca.

Outro dia eu estava aqui olhando lá na rua, e vi um carro preto enorme passando com muitas flores em cima dele (a maioria eram rosas brancas ) ,em forma de rodas com fitas coloridas e sendo seguido por uma fileira de outros carros.

Perguntei ao único amigo fiel que sempre esteve comigo, o beija-flor, o que era aquilo.

Então ele explicou que eram flores para uma pessoa que havia morrido.

-Uma pessoa morta?

-É! Os homens fazem isto: depois que uma pessoa morre, eles colocam ela num caixote cheio de flores, e ainda enchem por cima com, mais e mais flores e depois a colocam com o caixote e tudo num buraco no chão, e terra por cima, e você mesma viu que a maioria é rosa. Você deu sorte de nunca terem te usado sabe? Acho que não gostam da sua cor.

- Espera aí, mas, pra que flores depois de morto?

- E eu é que sei? Ainda bem que não enfeitam com beija-flores.

- Não é bem isto que eu queria saber. Porque não dão as flores enquanto a pessoa está viva e pode ver, sentir o perfume, se enfeitar com elas; é muito estranho.

Você que voa pra tudo quanto é lugar já deve ter visto muita coisa até mais estranha feita pelos homens.

...bom, obrigado amigo, até amanhã, e qualquer novidade por aí me conta, tá ?

Este é mesmo um amigão, é ele quem de vez em quando me traz notícias dos meus brotos que estão longe.

Mas pensando bem, até que os homens são muito fingidos e cínicos, né?

São todos muito bonzinhos, amorosos, saudosos, carinhosos, só sabem elogiar, falar das qualidades e da bondade de uma pessoa, quando ela morre.

È como fazem comigo que ainda estou viva. Nunca me elogiam pela minha cor, minha forma, meu perfume; só sabem falar mal dos meus espinhos.

Bom, uma visita tão cedo de um beija-flor, significa que o verão está chegando, e também eu noto que nesta época ele fica sempre mais calmo, mais alegre e muito conversador. Mas no inverno, ai!ai!ai! Fica sempre de mau humor e está sempre apressado. Repara pra você ver.

Eu gosto do verão. Sinto até mais animada também. Gosto deste vento que vem lá do mar, gosto da cor do céu , e até das chuvas de verão que sempre me fortalecem.

Pra mim só existem mesmo duas estações: verão e inverno.

No inverno eu já gosto de ficar mais quieta, só reparando as pessoas passarem, algumas tremendo de frio o que me leva às vezes a dar algumas risadas. Como são frágeis.

Mas na verdade eu te confesso que hoje, neste momento eu me sinto muito fraca e sem nenhuma vontade de me abrir de novo, mas sei que este estado não faz parte da minha natureza, e tenho certeza que serei fortalecida, acariciada, até replantada em outro lugar mais bonito, onde eu encontrarei alguém com quem eu possa me abrir novamente por completa.

Sei que o meu Criador tem bons planos para o meu futuro.

Enquanto espero, vou procurar me exercitar, me abrindo pouco a pouco, com todo o cuidado para não machucar ninguém com meus espinhos.

É o que posso fazer...

Jaak Bosmans