141 - Cento e Quarenta e Um
Ainda menino ouvia vozes, cantigas, recados, ralhos. Nenhum dos sons que só ele escutava tinham a ver com o que à sua volta acontecia. Eram ainda mais estranhos por isso. Deitado apercebeu-se de como a cama era roída na intimidade da madeira por dentinhos mínimos que faziam um barulhinho persistente e disse à mãe que tinha caruncho. Foi o seu primeiro aviso sobre uma realidade ainda não constatável. A seguir , entre os muitos sons da noite percebeu moscas, mosquitos, aranhas, formigas. A bem dizer começavam todos a trabalhar sem medo logo que os humanos apagavam as luzes. Quando sentiu a avó levantar-se para ir beber água, preparou-se para os gritos: - baratas, baratas na cozinha! Na verdade já ele sabia que as havia onde ninguém dava atenção. Brincou sempre sozinho. Vinham as vozes, as ideias, as palavras, os fenómenos. Quando começou a “adivinhar” e a saber sempre antes o fim das histórias devido à muita acuidade dos seus sentidos, à muita capacidade de inferir sobre as coisas, estava adulto e chamavam-lhe bruxo.