O Cu da Galinha
Nilton tentou ser de tudo na vida: xamã, a endeusar Pachamama; babalorixá, a alcunhar seu terreiro com Zambi no nome; tarólogo, mesmo a pouco conseguir manusear as cartas, vide suas funções motoras serem comprometidas; monge, a refugiar-se em um templo, mas a ser expulso pelo fato de falar alto enquanto outros meditavam; padre, a fiar-se à leitura da Bíblia e de livros de autoajuda; pastor, a fim de beneficiar-se financeiramente; bruxo, depois de ler O Livro da Lei, mas a desiludir-se em seguida; e até mesmo ateu, a negar veementemente a existência de presenças divinas.
Porém, tudo o que Nilton queria era a atenção de um público fiel. Ele até tinha seguidores que fiavam-se às suas empreitadas, mas muitos debandavam ao perceber o charlatanismo por detrás daquela circunspecta figura.
Um dia, contudo, depois de um sumiço de três longos meses - período que marcou o fim do outono à metade do inverno, Nilton voltou do interior com uma galinha. Dizia que aquela galinha podia não era um ser deste planeta: ela possuía poderes especiais. Convenceu novos e antigos seguidores de que a cloaca da galinha alterava-se constantemente e, a partir de suas linhas, conseguia ver o futuro das pessoas.
- É como se ela conseguisse reproduzir as linhas das mãos de quem desejasse saber sobre seu futuro em sua cloaca - anunciou ele, a olhar amorosamente o animal, que bicava o chão, indiferente.
- E não é mais fácil a quiromancia? - perguntou um dos seguidores. Logo, outros também fizeram a mesma pergunta, a falarem todos de uma vez só.
- A quiromancia pode ser falha - desculpou-se Nilton, extremamente ofendido com a pergunta e o mexerico dos outros seguidores.
Todos continuavam falando, em uníssono, coisas por vezes díspares. Uns defendiam a galinha de Nilton, outros vociferavam.
- É um absurdo saber o futuro através do cu da galinha! - reclamavam.
- O cu da galinha é a origem do mundo - redarguiam.
Nilton cobrava quase duzentos reais pela consulta com a galinha. Punha-a em frente ao rosto, a cerrar o olho direito e averiguava sua cloaca, a dizer as predições. Muitas vezes imprecisas, as profecias que Nilton anunciava começaram a gerar ceticismo nos fiéis. Novamente as pessoas começaram a esvaziar o salão contíguo à sua garagem - onde ele fazia as suas previsões sobre o futuro.
Da noite para o dia, o cu da galinha parou de ser o assunto do momento. Nilton não tinha mais como continuar sua vida como líder espiritual. Um dia, endividado e só, após sentir dores de fome que contraem o estômago, Nilton vislumbrou a galinha - que bicava uma barata morta em um canto da garagem.
Tomou um cutelo e afiou-o bem. Nem pensou em ver o próprio futuro através da cloaca da granívora: meteu-lhe a faca no pescoço, a ver-lha agonizar, decapitada, e exalar seus últimos tremeliques de ser vivo. Logo, depenou-a, tirou-lha as tripas e fez um assado.