Nápoles – Sul da Itália
O Pintor de braços cruzados nas costas e cabelos brancos como a rara neve que caia sobre Nápoles, observa as ondas do mar quebrando nas pedras.
Último dia do ano de 2014 e neva na cidade. O Pintor suspira com a beleza dos flocos brancos em todos os lugares, alguns deixando vestígios de gelo quando tocam o vidro de sua janela.
Isso o inspira novamente. O cavalete, que há muito tempo só acumulava poeira foi posto de frente para vista do mar, com as montanhas atrás cobertas com a neve. A paleta fora tirada do armário, com algumas cores já colocadas sobre a madeira, para dá vida a algo no quadro em branco.
Ele só precisava acertar uma vez.
Sua primeira pincelada é meio tímida, mas logo ele começa a traçar contornos mais firmes. Um velho ditado vem a sua mente: “É como andar de bicicleta”, e a lembrança dos tempos de juventude de quando ele passeava pelas ruas de pedras de Nápoles,
Perder a noção das horas enquanto pinta é algo que o Pintor havia esquecido, e assim se deu. Quando ele parou na frente do cavalete, já havia desenhado uma colina com grama verde curta e um riacho que percorria toda a extensão do quadro e vinha descendo de um dos picos brancos das montanhas ao fundo.
Colocou lírios ao redor de todo o riacho, pintando-os como se um vento leve tocasse em suas pétalas. Um grande ipê-roxo dentro da colina também tocado pelo vento. Vários pequenos arbustos espalhando pelo campo verde. E andorinhas rondavam a árvore em um bailado típico dos pássaros.
Banhando com sua luz suave, um sol tímido de inverno dava cor aquele pequeno refúgio da natureza.
Surgiu um homem, de cabelos claros e olhos cinzas, sentado em uma cadeira de madeira no meio da colina. À sua frente uma mesa, com uma máquina de escrever daquelas antigas, um papel em branco encaixado e uma pilha ao lado.
Na pintura o homem esta com uma mão pousada ao lado da máquina e a outra na cabeça, como se estivesse pensando.
Mas falta algo... alguma coisa naquele quadro.
O Pintor suspira novamente e recomeça a desenhar.
E o quadro começa a ganhar vida...
O Homem olha ao seu redor. Observa primeiro os pássaros, cantando e voando atrás do Ipê-roxo. Desliza os pés pela grama sentindo o toque macio da vegetação. Acompanha com o olhar a cachoeira na montanha, banhando o pequeno lago, deixando suas águas correrem pelo riacho.
Ele olha o papel. Toca a textura das folhas em branco ao lado da máquina. Começa o frenesi dos dedos nas teclas. As primeiras linhas de alguma história começam a surgir.
E ele ouve a primeira voz:
- Olá, sou Marabel.
Espantado com aquilo, olha ao redor, julgando que estava sozinho naquela colina, quando ouve uma segunda voz:
- Nós estamos aqui.
- Nós quem? Pergunta o Homem.
- Todos nós. Eu sou Nina.
- Nina? Não conheço nenhuma Nina. Quem são vocês?
Uma voz diferente responde:
- Sou Esder. Escreva sobre nós.
- E quem seria esse nós?
Uma terceira voz responde:
- Somos muitos. Sou Edgar.
- E somos poucos. Sou Seu José.
- Somos todos, somos nós e somos você. – As cinco vozes respondem ao mesmo tempo.
Um leve pulo da cadeira o Homem dá. Assustado, começa a perceber vultos rodeando-o.
- Escreva. Sou Elena.
- Você precisa contar nossas histórias. Sou Arthur.
- Contar para quem? - Indaga o Homem.
- Para todos... e para ninguém! – Respondem as sete vozes.
- Eu, Dr. Lopes, digo-vos para escrever para si mesmo.
- Ou como eu, Rosanita, que digo para escrever para os mortos.
- Ou para os vivos. Me chamo Maria da Fé.
- Para quem quiser e quem não quiser ler. – Dizem as dez vozes ao mesmo tempo.
Ao redor do Homem, os vultos continuam seu rodopiar e bailado.
- Escreva de você. Sou Clovis
- Da sua cabeça. Me chamo Inácio.
- Da sua criatividade. – diz Rodolfo
- Da sua vida. – rebate Sofia
Aos poucos outros começam a surgir:
- Pedro. Conte minha história.
- Não, conte primeiro a minha. Sou a Fatima.
- Estou louco?
- Não, você não enlouqueceu. Somos Mario e Mariana, somos gêmeos.
- Quero a história de Vincenzo também escrita. Minha história.
- Você pode contar a minha também? Chamo-me Narcio.
- Nem pensar, estava aqui primeiro que vocês. Sou Beatriz.
- Mereço a minha também. Me chamo Angelica.
O Homem volta a escrever algumas palavras na maquina.
- Isso... escreva... conte... redige! – Disseram agora as vinte de duas vozes.
- Use os dedos... - gritaram Pedro e Rosanita.
- Use a mente... – gritaram Inacio e Marabel.
- Use sua criatividade – gritaram todos.
- Até mesmo porque você é criação de alguém – disse Angelica
- Assim como somos criação sua. – sussurra Clovis no ouvido do Homem.
- E o Pintor não fez você louco. – Nina também sussurra.
- Ele te criou – respondem as duas vozes ao mesmo tempo.
- Ele quem?
- Ele ué. O homem de cabelos brancos como a neve... Responde Mario
- Nápoles. Ele quem esta pintando agora – Completa a frase Mariana.
- Por que ele me criou?
- Para que você escreva. - diz Vincenzo.
- Para que você escreva a minha história. Me apresento como Narcio. – Narcio enfatiza a voz quando diz seu próprio nome.
- Para que você escreva todas as nossas histórias – Todos dizem ao mesmo tempo.
- E novas história – diz Fatima.
- E história ainda não contadas – rebate Esder
- E história que já contadas mais modificadas – Respondem todos juntos.
- O Pintor criou vocês também?
- Não, já dissemos! Quem nos criou foi você. – Todos juntos gritaram
- Não tenho mais inspiração – o Homem coloca ambas as mãos na cabeça.
- Você tem isso sim. – diz Beatriz
- Sua inspiração vem de nós! – fala Maria da Fé
- Sua inspiração vem de dentro de você mesmo. Responderam todas as vinte e duas vozes.
- Não tenha medo. – disse Seu Jose
- Sim, ele tem. – rebateu Dr. Lopes
- Medo do que? – perguntou Rodolfo
- De fracassar. – respondeu Arthur
- Você só vai fracassar se tentar. Você nunca tentou – responderam todos juntos.
- E se você fracassar o que importa? – perguntou Elena.
- O que as pessoas vão pensar? Que sou doido? - perguntou o Homem.
- O que as pessoas pensam é problema delas – rebateu Pedro.
- E isso também importa? – perguntou Rosanita.
- Você nos deu vida – disse Inacio.
- Você nos deu voz – disse Marabel.
- Você nos criou – disse Angelica.
- Somos criação sua. Já é sua vitória. – disse Clovis.
Mais freneticamente, os dedos do Homem começaram a bater nas teclas da maquina.
Enquanto isso o Pintor terminava de esverdear a grama. Ele prestou atenção no homem e viu que ele datilografava. Fez pressão nas pupilas para enxergar melhor e conseguiu ler as primeiras histórias sendo contadas.
O Pintor percebeu que o Homem escrevia muito bem. Percebeu naquele momento que havia acertado.
Tinha uma chance de fazer um quadro perfeito e ele conseguiu.
Com sorriso no rosto, sensação de dever cumprido, orgulho de si e em sinal de felicidade ele pegou a palheta de cores e atirou pela janela, vendo-a se despedaçar nas pedras e os restos serem levados pelo mar,
O Pintor de braços cruzados nas costas e cabelos brancos como a rara neve que caia sobre Nápoles, observa as ondas do mar quebrando nas pedras.
Último dia do ano de 2014 e neva na cidade. O Pintor suspira com a beleza dos flocos brancos em todos os lugares, alguns deixando vestígios de gelo quando tocam o vidro de sua janela.
Isso o inspira novamente. O cavalete, que há muito tempo só acumulava poeira foi posto de frente para vista do mar, com as montanhas atrás cobertas com a neve. A paleta fora tirada do armário, com algumas cores já colocadas sobre a madeira, para dá vida a algo no quadro em branco.
Ele só precisava acertar uma vez.
Sua primeira pincelada é meio tímida, mas logo ele começa a traçar contornos mais firmes. Um velho ditado vem a sua mente: “É como andar de bicicleta”, e a lembrança dos tempos de juventude de quando ele passeava pelas ruas de pedras de Nápoles,
Perder a noção das horas enquanto pinta é algo que o Pintor havia esquecido, e assim se deu. Quando ele parou na frente do cavalete, já havia desenhado uma colina com grama verde curta e um riacho que percorria toda a extensão do quadro e vinha descendo de um dos picos brancos das montanhas ao fundo.
Colocou lírios ao redor de todo o riacho, pintando-os como se um vento leve tocasse em suas pétalas. Um grande ipê-roxo dentro da colina também tocado pelo vento. Vários pequenos arbustos espalhando pelo campo verde. E andorinhas rondavam a árvore em um bailado típico dos pássaros.
Banhando com sua luz suave, um sol tímido de inverno dava cor aquele pequeno refúgio da natureza.
Surgiu um homem, de cabelos claros e olhos cinzas, sentado em uma cadeira de madeira no meio da colina. À sua frente uma mesa, com uma máquina de escrever daquelas antigas, um papel em branco encaixado e uma pilha ao lado.
Na pintura o homem esta com uma mão pousada ao lado da máquina e a outra na cabeça, como se estivesse pensando.
Mas falta algo... alguma coisa naquele quadro.
O Pintor suspira novamente e recomeça a desenhar.
E o quadro começa a ganhar vida...
O Homem olha ao seu redor. Observa primeiro os pássaros, cantando e voando atrás do Ipê-roxo. Desliza os pés pela grama sentindo o toque macio da vegetação. Acompanha com o olhar a cachoeira na montanha, banhando o pequeno lago, deixando suas águas correrem pelo riacho.
Ele olha o papel. Toca a textura das folhas em branco ao lado da máquina. Começa o frenesi dos dedos nas teclas. As primeiras linhas de alguma história começam a surgir.
E ele ouve a primeira voz:
- Olá, sou Marabel.
Espantado com aquilo, olha ao redor, julgando que estava sozinho naquela colina, quando ouve uma segunda voz:
- Nós estamos aqui.
- Nós quem? Pergunta o Homem.
- Todos nós. Eu sou Nina.
- Nina? Não conheço nenhuma Nina. Quem são vocês?
Uma voz diferente responde:
- Sou Esder. Escreva sobre nós.
- E quem seria esse nós?
Uma terceira voz responde:
- Somos muitos. Sou Edgar.
- E somos poucos. Sou Seu José.
- Somos todos, somos nós e somos você. – As cinco vozes respondem ao mesmo tempo.
Um leve pulo da cadeira o Homem dá. Assustado, começa a perceber vultos rodeando-o.
- Escreva. Sou Elena.
- Você precisa contar nossas histórias. Sou Arthur.
- Contar para quem? - Indaga o Homem.
- Para todos... e para ninguém! – Respondem as sete vozes.
- Eu, Dr. Lopes, digo-vos para escrever para si mesmo.
- Ou como eu, Rosanita, que digo para escrever para os mortos.
- Ou para os vivos. Me chamo Maria da Fé.
- Para quem quiser e quem não quiser ler. – Dizem as dez vozes ao mesmo tempo.
Ao redor do Homem, os vultos continuam seu rodopiar e bailado.
- Escreva de você. Sou Clovis
- Da sua cabeça. Me chamo Inácio.
- Da sua criatividade. – diz Rodolfo
- Da sua vida. – rebate Sofia
Aos poucos outros começam a surgir:
- Pedro. Conte minha história.
- Não, conte primeiro a minha. Sou a Fatima.
- Estou louco?
- Não, você não enlouqueceu. Somos Mario e Mariana, somos gêmeos.
- Quero a história de Vincenzo também escrita. Minha história.
- Você pode contar a minha também? Chamo-me Narcio.
- Nem pensar, estava aqui primeiro que vocês. Sou Beatriz.
- Mereço a minha também. Me chamo Angelica.
O Homem volta a escrever algumas palavras na maquina.
- Isso... escreva... conte... redige! – Disseram agora as vinte de duas vozes.
- Use os dedos... - gritaram Pedro e Rosanita.
- Use a mente... – gritaram Inacio e Marabel.
- Use sua criatividade – gritaram todos.
- Até mesmo porque você é criação de alguém – disse Angelica
- Assim como somos criação sua. – sussurra Clovis no ouvido do Homem.
- E o Pintor não fez você louco. – Nina também sussurra.
- Ele te criou – respondem as duas vozes ao mesmo tempo.
- Ele quem?
- Ele ué. O homem de cabelos brancos como a neve... Responde Mario
- Nápoles. Ele quem esta pintando agora – Completa a frase Mariana.
- Por que ele me criou?
- Para que você escreva. - diz Vincenzo.
- Para que você escreva a minha história. Me apresento como Narcio. – Narcio enfatiza a voz quando diz seu próprio nome.
- Para que você escreva todas as nossas histórias – Todos dizem ao mesmo tempo.
- E novas história – diz Fatima.
- E história ainda não contadas – rebate Esder
- E história que já contadas mais modificadas – Respondem todos juntos.
- O Pintor criou vocês também?
- Não, já dissemos! Quem nos criou foi você. – Todos juntos gritaram
- Não tenho mais inspiração – o Homem coloca ambas as mãos na cabeça.
- Você tem isso sim. – diz Beatriz
- Sua inspiração vem de nós! – fala Maria da Fé
- Sua inspiração vem de dentro de você mesmo. Responderam todas as vinte e duas vozes.
- Não tenha medo. – disse Seu Jose
- Sim, ele tem. – rebateu Dr. Lopes
- Medo do que? – perguntou Rodolfo
- De fracassar. – respondeu Arthur
- Você só vai fracassar se tentar. Você nunca tentou – responderam todos juntos.
- E se você fracassar o que importa? – perguntou Elena.
- O que as pessoas vão pensar? Que sou doido? - perguntou o Homem.
- O que as pessoas pensam é problema delas – rebateu Pedro.
- E isso também importa? – perguntou Rosanita.
- Você nos deu vida – disse Inacio.
- Você nos deu voz – disse Marabel.
- Você nos criou – disse Angelica.
- Somos criação sua. Já é sua vitória. – disse Clovis.
Mais freneticamente, os dedos do Homem começaram a bater nas teclas da maquina.
Enquanto isso o Pintor terminava de esverdear a grama. Ele prestou atenção no homem e viu que ele datilografava. Fez pressão nas pupilas para enxergar melhor e conseguiu ler as primeiras histórias sendo contadas.
O Pintor percebeu que o Homem escrevia muito bem. Percebeu naquele momento que havia acertado.
Tinha uma chance de fazer um quadro perfeito e ele conseguiu.
Com sorriso no rosto, sensação de dever cumprido, orgulho de si e em sinal de felicidade ele pegou a palheta de cores e atirou pela janela, vendo-a se despedaçar nas pedras e os restos serem levados pelo mar,