Maria Vitória a mãe

Era década de noventa, eu tinha começado a sua biografia, as histórias de sua vida, minha mãe com seus noventa e poucos anos continuava lúcida, quando propus escrever sobre sua vida seus olhos se iluminaram, afinal era exatamente isto que ela desejava, na sua vida intensa, da qual eu tive oportunidade de publicar aqui algumas de suas histórias, dizendo de seus mais de 60 anos na catequese, uma catequista nata, com seus poucos estudos, mal tinha completado o segundo ano primário, mas para dar aulas sobre o Deus vivo ela se desdobrou, estudou com afinco, procurando sempre orientações com os padres franciscanos, depois uma autêntica catequista, uma fervorosa ajudante aos que dedicavam nos meios assistenciais e trabalhos na igreja.

Num destes dias, eu ávido para ouvir e escrever mais uma de suas histórias, tinha necessidade de ir escrevendo aos poucos, porque ela ao ir relatando se cansava, emocionava. Então eu a vi novamente naquele corredor de sua casa, sentada como de costume, absorta em seus pensamentos, me aproximei e novamente brinquei:

--- D.ª Vitória, vamos continuar com as histórias?

--- Vamos sim, tenho muita coisa pra contar! (e minha mãe foi começando)

--- Devemos ter cuidado de não fazer certas coisas com as crianças, senão elas nunca esquecem, porque comigo aconteceu o seguinte:

Lourenço, está lembrado quando te contei da medalha que ganhei como prêmio, por causa de ter declamado uma poesia, quando eu estava no segundo ano na escola? (declamadora! Isso ela era)

--- Sim, mãe, está incluído na sua biografia que estou escrevendo. (como ia esquecer daquele relato tão singelo contado pela minha mãe, contado com tanta emoção, ainda mais dela não poder continuar seus estudos, porque seu pai, meu avô a tinha tirado da escola e dizia com toda sua convicção de que mulher não precisava estudar muito!)

--- Então, meu filho, eu tinha orgulho daquela medalha, mas um dia vai uma amiga de minha mãe lá em casa e ela estava com uma menina um pouco mais nova do que eu, a menina se encantou com minha medalha, minha mãe dá a medalha para ela, dizendo que não ia me fazer falta, eu na minha infantilidade tentei impedir, mas o olhar severo de minha mãe me paralisou, lembro de ter chorado muito, até hoje quando lembro sinto um aperto no coração! (era verdade, pois desde a primeira vez que ela me contou este relato, exatamente igual palavras por palavras, via seus olhos marejados de lágrimas)

Não sinto ressentimento de minha mãe ter feito isto, ela pensou que não ia me atingir tanto, por isto que não canso de dizer: cuidado com o que se faz com as crianças, pode parecer uma simples coisa, mas pode atingi-la violentamente para o resto da vida!!!

Aí eu não podia forçar mais, senti que minha mãe estava cansada, emocionada, apenas falei:

--- Então Dona Vitória, vamos parar por aqui, daqui uns dias vamos continuar com suas histórias...

AGORA SÓ FICOU AS HISTÓRIAS, ELA PARTIU PARA A CASA DO CRIADOR, O LUGAR QUE EM VIDA ELA SEMPRE TENTOU CONQUISTAR.

SIM, EM 2010 ELA PARTIU E EU TEIMO EM DIZER COMO JÁ ESCREVI EM ALGUMAS CRÔNICAS:

JESUS, ELA TEM QUE ESTAR NO SEU PARAÍSO, ONDE NÃO EXISTE A INFELICIDADE, ONDE PERMANECE INALTERADO O DEVER DE AMAR PARA SEMPRE.