A IDADE MAIOR
Maurício levantava-se cedo, conduzia até ao ginásio vazio e mergulhava na água azul da piscina deserta.Em busca de algo indizível, um elixir, uma resposta.
- Preciso de reencontrar o meu equilíbrio! – comentava de vez em quando.
O viajante observava-o curioso e tentava compreender o mistério, esse drama fatídico que levava as pessoas a quebrarem as suas asas perante a realidade da vida e do seu próprio envelhecimento,Ficava a pensar:”Talvez o que importe seja manter a essência intacta!”
Maurício alheava-se das desilusões, descobria paisagens de sonho, quedas de água naturais, visitava museus, assistia a espetáculos,ia ao teatro, deleitava-se com concertos de música, um filme… até à saciedade.Fartava-se das rotinas.
Ele o viajante,acompanhava essa busca pela felicidade que não existia, conceito ou panegírico,constructo ou utopia.Horizonte porventura ilusório.Como subir a uma torre e melancolicamente , desfrutar uma vista soberba…
Maurício sentia o imerecimento, a cruel angústia da aldeia do interior não conter a sua medida, os seus sonhos, ambições e o seu incomensurável talento aprisionado.
Mas para ele, peregrino ,um cidadão do mundo, ontem a juventude parecia não terminar, depois passara um comboio rápido que a tinha raptado como uma ave de rapina para um passado remoto e hoje custava a encarar a realidade nua e crua.
Num momento, sentavam-se a teclar:
-“Arsenic and the old age”. O arsénico e a velhice.Permite-nos acatar, conformar, fazer uma pausa à sombra da bananeira…Gostava de dizer e ser bem sucedido:”Acalma-te.Tranquiliza-te”.
- Gostaria de mudar de vida e fazer aquilo de que realmente gosto.Mandar tudo o resto às urtigas.
- Compreendo mas nós só podemos conseguir até um determinado ponto.Somos feliz ou infelizmente criaturas muito limitadas.
Maurício era imprevisível.Podia parecer triste e desanimado,” na fossa” mas no minuto seguinte ressuscitava, envolvia-se em palavras e poesia e erguia-se como um deus no universo , como se a Humanidade um pobre rebanho sem vontade, uma vasta colónia de formigas ficasse para trás, engolida nas suas guerras de vento.
O viajante sorriu serenamente.Ele que achava já ter visto tudo,gostava de se convencer ” I have seen it all” surpreendia-se com o poder de criar, de inventar , de escrever uma elegia ou um soneto, um simples verso inspirado.
Ele que tinha perdido a paciência, a crença e que já não conseguia acreditar definitivamente na generosidade humana.Porque a dormir, sonhava amiúde atravessar um pantâno traiçoeiro e por vezes acordava estremunhado e a suar, aterrorizado.
Maurício postava máximas, frases de génio, poemas, beleza e magia.Reinventava as cartas e renovava o jogo.
O viajante observava na sombra e no silêncio.Aplaudia essa necessidade premente de erguer a cabeça do atoleiro.Mesmo sem perceber tudo. As fotografias. As matrafonas.Quem eram aquelas avestruzes?Saltos de corça, meros ensaios ou apenas loucuras saudáveis certamente.
O viajante arrumou o saco, despiu-se, vestiu o pijama, acedeu a descansar algumas ,horas para se levantar de madrugada, sair de noite e partir como um ponto escuro dificilmente visível que se deixa de ver na paisagem.
Será que voltaria um dia ou desapareceria para sempre?
No espelho seguiu com atenção as sua próprias rugas, o semblante tornado severo e cansado e o desejo de manter viva a chama.O poder.A glória vã e passageira.De se continuar a extasiar e a sentir o indescritível.
- Ah sim, depois dos cinquenta é mais difícil…