Comédia Romantica.
Regina repara em um sapato na vitrine do brechó. De sola grossa, feito com veludo alemão azul costurado de maneira singular. Pelo tamanho, era masculino, mas belo demais pra não ser levado embora. Entra na loja, distrai a vendedora pedindo para que busque uma peça na parte de cima de uma prateleira e num passe de mágica acolhe o par de calçados dentro de sua bolsa de algodão. Convenientemente seu celular começa a vibrar, ela atende e pede desculpas à comerciante, toma a rua com pressa enquanto diz Alô! Três vezes como se fosse a conversa mais importante de sua vida.
A chamada telefônica era somente uma voz anasalada oferecendo vantagens comerciais. Após meia dúzia de respostas desconexas, a ligação cai. Ansiosa, caminha apressadamente duas quadras até o prédio onde mora.
Boa tarde dona Regina! O porteiro gordo e bigodudo exclama com uma animação forçada. Ela responde com um sorriso amarelo e se dirige ao elevador. Mira-se no espelho e contempla seus olhos verdes adornados por belos cílios naturais. Chegando ao quinto andar, tenta não fazer barulho com os saltos no piso de taco. Abre a porta com cuidado para que Felix, seu gato, não fuja e a tranca em seguida respirando aliviada quando sente o cheiro de sua roupa lavada jogada em cima do sofá cinza em sua sala contígua à varanda modesta.
Liga a televisão intuitivamente e deixa a bolsa sobre uma das duas cadeiras da mesa de vidro. Felix mia com fome e se lança sobre ela. Regina segura o animal e o afaga. Ele a escala sobre a jaqueta jeans em direção à nuca enquanto ronrona. Calma Fefe, a mamãe já vai colocar comida pra você. Diz. O gato responde e salta em direção à vasilha vazia.
Suspira, abre o armário da cozinha e tira o saco de ração industrializada. Felix mastiga antes mesmo de ela despejar leite longa vida no comedouro com medo de que ele quebrasse seus dentinhos de filhote. Regina sorri e se levanta segurando as costas com as mãos. Chuta os sapatos pretos que calçava para o rumo do corredor que leva ao quarto e se joga no sofá com os braços abertos. Olhando o teto, se incomoda com o tom policialesco do narrador da TV e troca de canal.
É pessoal, pelo jeito vai chover este fim de semana, acho que não vai dar praia hein?! Diz o meteorologista na tela do plim plim. Regina olha pra fora e repara que já está chovendo. Putz, meus sapatos de camurça azul! Fala sozinha enquanto dá um tapa em sua testa. Busca a bolsa e volta novamente ao sofá. Fica impressionada com a sensação causada pela seda tingida na pele de seus dedos. Tenta calça-los e faz beicinho quando percebe que sobram mais de sete centímetros da unha de seu dedão do pé até o fim da palmilha. Bem, neste caso não é muito aconselhável voltar à loja para trocar o produto.
Pensa numa maneira de dar utilidade àquilo. Procura nos contatos do telefone e não encontra ninguém que mereça um presente tão bonito. Coloca-os sobre o tapete. Felix lambe o beiço satisfeito e se aproxima com a cauda baixa. Após uma leve cheirada nos cadarços do sapato, o gato começa a tentar afiar suas garrinhas na camurça. Pode parar com isso! Diz Regina com cara de brava. Ele mia assustado e puxa a pata direita tentando soltar as unhas do tecido. Ela se compadece e com carinho solta o bichano. Felix salta para almofada no canto oposto do sofá no qual estava sua dona e a olha. Segundos depois já está dormindo.
Regina vai à cozinha, abre a geladeira e pensa no que comer. Há um pedaço de queijo, meio pão de forma, margarina, dois tomates, uma garrafa de refrigerante, meia cebola e dois dentes de alho. Melhor acabar com este queijo antes que estrague. Pronuncia sem fazer som.