CONTEMPORÂNEO DO FUTURO

 Os técnicos de cibernética construíram máquinas eletrônicas que funcionam primeiro aritméticamente, depois analogicamente. Essas máquinas servem inclusive para o deciframento de mensagens das linguagens cifradas. Mas os cientistas são assim: eles recusam-se a imaginar que o que o homem criou possa também sê-lo. Estranha humildade!” 
                                                Pawels e Bergier ― O Despertar dos Mágicos

Um dia fui a um hospital fazer uma pequena cirurgia. Tratava-se de extrair um pequeno cisto sebáceo que se formara no meu pescoço. O médico que me operou pegou a pequena bolota de ácido graxo que tirara do meu pescoço e a cheirou, dizendo: “cara, como isso fede.” Depois mandou fazer uma biópsia do mal cheiroso pelote de sebo e dois dias depois fui ao laboratório pegar o resultado. “ Isso é apenas ácido graxo, seborréia” disse o médico. “Ótimo” pensei, “nada para me preocupar.” E assim fui para casa, tranquilo e satisfeito por não ter que tratar de um cancêr. Ufa! Parecia que um peso de 100 kilos havia sido tirado dos meus ombros.
Quando cheguei em casa, naquele dia, encontrei minha mulher chorando no quarto. Depois de uns dez minutos tentando fazer com que ela me dissesse o que havia acontecido, ou quem dos seus parentes havia morrido, ela me estendeu um envelope. Dentro dele havia uma radiografia e um laudo de biópsia. Aquele caroço que eu sentia no seio dela quando a acariciava, era um maldito câncer de mama. A nossa vida é conjunto infinito de coincidências significativas. Ainda bem ( ou pena que) não aprendemos a decifrá-las nem a juntá-las em um desenho lógico. Isso poderia nos transformar em gênios ou loucos. E para dizer a verdade, não sei qual a diferença entre um e outro, a não ser que um aprende a andar com com alguma lógica dentro do seu estranho e maravilhoso mundo mental e o outro não.  

Quando jovem eu tive um amigo que sofria de epilepsia. Tinha crises convulsivas nos momentos mais incríveis. Ás vezes estávamos no bar tomando uma cerveja(quer dizer, eu tomava cerveja, ele só bebia refrigerante), e de repente ele desmoronava, esparramava-se pelo chão e começava a contorcer-se e espumar pela boca. 
Não era uma coisa bonita de se ver. As pessoas normalmente se afastavam e ficavam com medo. Pensavam que ele estava recebendo um espírito. Epilepsia é uma doença emblemática. Dizem que muitos personagens históricos a tiveram. Alexandre, o Grande, e Júlio César entre eles. Por isso ela era chamada de doença dos deuses. 
Há quem diga também que a grande maioria dos profetas e videntes eram epiléticos. E que suas visões eram devidas a essa doença. Não sei não, mas há algumas estranhezas ligadas com esse fato. Dizem que Júlio César teve premonição de que alguma coisa lhe aconteceria naquele fatídico dia dos idos de março de 44 a.C, quando ele se preparava para ir ao Senado defender a sua pretensão à ditadura. Ele foi assassinado nesse dia.
Alexandre também teria previsto o resultado da maioria das suas batalhas antes mesmo de as ter lutado. 
Enfim, são histórias da História. Pode-se crer nelas ou não. Mas o meu amigo me deu provas de que alguma coisa estranha acontece no cérebro de quem sofre dessa doença. Um dia passei na casa dele para sairmos para um passeio á noite. Costumávamos fazer isso todos os sábados. Andávamos pela cidade, encontrávamos alguns amigos, conversávamos, entrávamos num bar, bebíamos umas cervejas, ás vezes fazíamos algumas serenatas quando um deles trazia um violão, etc. Isso era moda nos anos sessenta, na nossa então pequena cidade, que ainda era uma prosaica comunidade de interior. 
Nesse dia ele tinha um compromisso e não pode sair comigo. Então me despedi dele e fui andando. De repente ele me chamou e disse: ― Dê um abraço no Neguita. O Neguita era um velho amigo nosso que costumava andar conosco pelos bares de então. Bom garoto, gente fina como a gente o chamava. Só que ele fora embora da cidade há mais de dois anos e nós não o víamos desde então. Em princípio estranhei a recomendação do meu amigo, mas logo esqueci. Mas fiquei muito perplexo quando entrei no primeiro bar da noite e lá encontrei justamente o Neguita.
― Vim matar a saudade ― disse ele, com um largo sorriso ― E o Manolo, tem visto aquele “xarope”? 
Manolo era o apelido do nosso amigo que tinha mandado um abraço para ele. O tempo passou e cada um de nós tomou o seu rumo. Casei, entrei para o serviço público, fui trabalhar em outro estado. Passei mais de vinte anos sem voltar a minha antiga cidade. Nesse tempo todo não vi mais o Manolo nem o Neguita. Nem soube o que foi feito deles. Quando voltei para minha cidade, depois desses vinte e tantos anos, nem me lembrava mais dos meus velhos amigos de juventude. Os nossos bares de antanho haviam fechado, os velhos amigos não mais eram encontrados, tudo havia mudado. As pessoas não mais se encontravam nas praças da cidade, mas nos shopings centers. Poucas pessoas frequentavam os bares, que fechavam antes da dez, e ninguém fazia mais serenatas.  Enfim, depois de algumas tentativas para recuperar o velho ambiente e reviver algumas daquelas antigas experiências, eu também desisti.
Uma noite, fuçando no meu quartinho de despejo em busca de um antigo livro, encontrei entre os meus guardados uma velha caixa de sapatos com um monte de fotografias antigas. Todas em preto e branco. Numa delas estávamos eu, o Manolo e o Neguita, vestidos com o uniforme do nosso time de futebol. Quase não reconheci os outros nove, mas do Manolo eu me lembrei instantaneamente. O episódio do Neguita me veio imediatamente à memória. “ Que coisa”, pensei. “Como é que aquele cara adivinhou que o Neguita ia estar lá justamente naquela noite?”
Na manhã seguinte recebi um telefonema de uma senhora chamada Marta, me comunicando que o Manolo havia falecido na noite anterior. “Eu não sabia como achá-lo”, disse ela, “mas um dos últimos nomes que ele pronunciou foi o seu, por isso fiz questão de lhe ligar. Estou á sua procura desde ontem à noite”. 
Ele morrera justamente na hora em que eu encontrara a velha fotografia. Marta era a irmã dele. 

Louis Pawels, no bizarro e intrigante tratado que escreveu com Jacques Bergier, publicado sob o nome de "O Despertar dos Mágicos", conta uma estranha experiência sobre esse assunto. “ “Eu tinha sete anos” escreve ele. “Encontrava-me na cozinha, ao lado de minha mãe que lavava louça. Ao pegar num esfregão para tirar a gordura dos pratos, pensou neste mesmo momento que sua amiga Raymonde chamava a esse objeto uma “relavote”   ( de laver, limpar). Eu tagarelava, mas nesse mesmo momento parei e disse: A Raymonde chama a isso uma relavote. Não me recordaria desse incidente se minha mãe, vivamente impressionada, não me tivesse várias vezes recordado, como se tivesse adivinhado um grande mistério e sentido num acesso de alegria, que eu era ela, e que recebera uma prova mais que humana do meu amor. Mais tarde, quando eu a fazia sofrer, nos momentos de trégua ela evocava esses segundos de “encontro”, como que para se convencer de que qualquer coisa de mais profundo que o seu sangue passara dela para mim.” 
Essas intercessões mentais que às vezes acontecem entre pessoas emocionalmente ligadas é o que chamamos de coincidências significativas. Edgar Alan Poe, num excelente conto chamado “Os Crimes da Rua Morgue” também explora esse tema contando como seu personagem Auguste Dupin consegue “acompanhar” os pensamentos de uma pessoa através da observação das suas posturas e da sua linguagem não verbal. 
Isso é possivel se nós soubermos a técnica. Em nossos cursos de PNL praticamos um exercício semelhante ao que Poe descreve no seu intrigante conto. Brincamos durante cerca de trinta minutos de “sombra” de outra pessoa, imitando seus gestos, seus passos, sua respiração, enfim, captando todas as suas mensagens não verbais e no fim do exercício tentamos dscobrir qual foi seu último pensamento. A média de acertos é surpreendente.  
Essas experiências mostram que existe uma possibilidade de intercessão entre os pensamentos manifestados pelas pessoas e que eles podem ser captados em momentos de grande acuidade sensorial. 
Mas coincidências significativas não ocorrem apenas em forma de telepatia. Elas também podem ser produtos premonitórios, como no caso do meu amigo que sofria de epilepsia. Dizem os autores acima citados que essas “adivinhações”, ou premonições, resultam de cruzamentos de informações ocorridos no cérebro em momentos de intensa tensão interna, causada por emoções, estresse ou mesmo moléstias próprias do sistema neurológico, como a epilepsia. Tem sentido. Personagens com envolvimento em grandes acontecimentos certamente vivem em constante estado de tensão. Se forem epiléticos, mais ainda se justifica suas estranhas habilidades. Isso explica as experiências de Nostradamus e outros videntes famosos.
O nosso cérebro é como um território cuja três quartas partes ainda é desconhecida. Quanta coisa ele não esconde, quantas relações inconscientes ele não estabelece a partir de um único estímulo? Por que, entre essas relações, não pode estar a capacidade, não de ver o futuro, por que este ainda não existe, mas de antecipar a possibilidade um acontecimento, a partir da análise e da dedução das tendências do presente? 
Coincidência significativa é isso. Pensar antecipadamente em algo que está, ou que pode acontecer. “Ver” algo que está ocorrendo além do alcance dos nossos olhos, ou simplesmente intuir o que pode acontecer num momento futuro. Por isso, diz Pawels, no livro acima citado:” Pode ser que a máquina (essa função do cérebro) funcione constantemente, mas que nós só sejamos receptivos ocasionalmente. Além disso essa receptividade pode ser raríssima. Talvez seja nula em certas pessoas. Dessa forma há pessoas que tem “sorte” e outras que não a tem.”

Dito isso vou marcar o meu cartão para a mega―sena acumulada. Quem sabe este seja um desses momentos de extrema receptividade em que meu cérebro está conectado a todas as relações universais, presentes, passadas e futuras? 
Acreditem. Quem acredita faz acontecer, quem não acredita espera outro fazer para ver se é verdade. Por isso chega sempre atrasado. Eu quero ser contemporâneo do futuro.