O homem que jogou sinuca com o diabo.
Essa prosa aconteceu lá pelas bandas de Boa Vista. Zé Carlos era o melhor jogador de sinuca da cidade. E não pensem que ele se fazia de humilde, seu prazer ele berrar para todo mundo do boteco do seu Euclides, que não existia cabra nenhum capaz de vencer ele em uma sinuquinha. Zé, como era mais conhecido. Era funcionário público, todo dia batia ponto na prefeitura, mas isso não o impedia de ir para o bar do Seu Euclides jogar sinuca. Diferente de outros clientes do bar, Zé não bebia cerveja e nem uma cachacinha, tomava apenas tubaína e comia muito amendoim. Alguns diziam que esse era um dos motivos do cabra ser tão bom na sinuca, pois a bebida costuma deixar a cabeça meia bagunçada.
Um dia houve um campeonato de sinuca, Seu Euclides junto com os moradores do bairro conseguiram juntar uma quantia de 500 reais, era esse o grande prêmio do campeonato, a inscrição era apenas 5 reais, o que acabou trazendo muita gente para jogar sinuca. Quando já estava quase ganhando o campeonato, Zé falou para o seu parceiro de jogatina.
_Bila, essa já está no papo meu amigo! Não há ninguém capaz de vencer a gente nessa noite, nem mesmo o cão.
_Tú tá louco rapaz, diga essa merda não que o cão pode te ouvir.
_Cê é mermo religioso em Bila! Isso não existe não. O capeta é coisa da igreja pra roubar dinheiro da gente.
_Rapaz, tú tá falando demais. Feche a boca, para que nem uma desgraça venha até a gente.
A dupla adversária estava achando um sarro, aquele falatório de Zé e Bila.
_Então Zé, quer dizer que nem o cão te vence na sinuca? Perguntou Adilson, com um largo sorriso no rosto. Osvaldo Ribeiro, seu parceiro de dupla, não parava de gargalhar.
_Adilson, se o satanás existir, duvido que ele seja homem de me enfrentar na sinuca! Ele pode vim, o demônio vai tomar uma lavada tão grande, que nem se a gente jogasse sete ou mais fichas ele me venceria, e se bobeasse eu ainda comia o cú dele! Hahahahaha!!
_Eita lasqueira Zé, cê é corajoso mesmo em, hahahaha!
Bila, encaçapou uma bola, depois olhou para Zé com a cara toda carrancuda. Colocou o taco encostado na parede, e gritou para todos virando às costas.
_Fui! Cês tão tudo doido em ficar fazendo gracinha com os seres invisíveis, que a Virgem Maria proteja os cês, senão cês vão tá tudo lascado!
_E agora Zé, você vai querer continuar a jogada do Bila? Ou vai passar a vez pra gente? Falou Osvaldo.
Zé olhou para a dupla adversária e balançou a cabeça dando uma risadinha, passando a vez para Osvaldo, em um ato de que ele iria ganhar o jogo mesmo estando em desvantagem. O engraçado é que foi realmente isso que se sucedeu.
No fim Zé Carlos venceu a dupla, faturando os 500 contos. Mesmo com o campeonato encerrado, muita gente continuou no bar naquela noite. Bebendo cerveja, cachaça, dançando forró e jogando conversa fora.
Seu Euclides bebia uma garrafa de tubaína com zé, proseando sobre várias coisas da vida, especialmente sobre a sua própria velhice, quando um forasteiro chegou no bar.
Era um homem alto, barba grisalha, olhos verdes, um chapéu azulado na cabeça, poucos fios de cabelo amostra, vestido com um paletó da mesma cor do chapéu, botas negras elegantes em seus pés.
_Noite pessoal! Disse o estranho, com um sotaque de morador da cidade grande.
_Noite amigo. Pode ir se a chegando. Falou Euclides. O amigo vai querer beber alguma coisa?
_O senhor me dê uma dose de pinga, e um daqueles salgados da vitrine.
Euclides se levantou da mesa de Zé Carlos e caminhou em direção à estufa de salgados que ficava próxima ao balcão. O estranho foi se aproximando de Zé, e se sentou ao lado dele. Os demais frequentadores do bar estavam interditos com outras coisas para dar atenção para o homem com trejeitos da cidade grande. Algumas mulheres o olhavam de um jeito faceiro, como que o convidando para uma interação mais intima. Ele parecia fazer sucesso com elas.
_Noite meu amigo! Disse sorridente o homem, olhando fixamente para Zé.
_Noite! O companheiro parece ter vindo de muito longe. Sua fisionomia não parecer com a do povo daqui. E nem o seu jeito de falar.
_Tú és bastante observador em...eu não sou daqui mesmo, estou só de passagem.
_Entendo, não costumamos receber muitos visitantes em nossa pequena cidade, mas seja bem-vindo amigo. A propósito, meu nome é Zé Carlos.
_Aceitei um convide para conhecer essa cidade. Prazer Zé Carlos, me chamo Valdir.
Valdir apertou a mão de Zé Carlos com um amistoso sorriso no rosto. Seu Euclides chegou com a dose de pinga e o salgado que o forasteiro pediu.
_Só tem de carne amigo. Disse o dono do bar sobre o salgado.
_Tranquilo amigo. Ao pegar o prato com o salgado, rasgou um pedaço da massa, deixando assim a carne amostra, um cheiro gostoso de assado invadiu a mesa. Valdir comeu o salgando bebendo a dose de pinga.
Após comer e beber, o viajante de uma olhada para a mesa de sinuca que ficava no centro do bar. Zé Carlos percebeu o olhar do estranho, e prontamente sorriu para ele e disse.
_O amigo é chegado numa sinuca?
_Posso dizer que sim, na verdade gosto de vários tipos de jogos, principalmente apostas.
_Então o amigo vai jogar uma sinuquinha comigo apostada, o que acha?
_Por mim tudo bem Zé, vamos apostar vinte reais pra começar, pode ser?
_Opa, pode sim amigo.
Os dois se levantaram e foram em direção à mesa de sinuca.
Alguns frequentadores do bar ficaram assistindo o jogo, já esperando a vitória de Zé Carlos. Mas conforme a noite foi indo, as expectativas dos conhecidos do jogador de sinuca local, foram sendo frustradas. Zé Carlos e Valdir jogaram dez fichas. O forasteiro ganhou todas, a quantia antes proposta de vinte reais pelo jogo, foi aumentando conforme as fichas iam acabando. Até que no fim, Zé estava devendo 200 reais para Valdir.
_Olha companheiro, nem sei como te falar isso. Mas acabei confiando demais em mim, e apostei uma grana que eu não tenho no momento, tenho só cinquenta reais na carteira. O amigo pode pega o resto comigo amanhã na prefeitura? Lá pelas três horas da tarde? Disse Zé desesperado, abrindo a sua carteira.
_Hahahaha! Deixa pra lá amigo, essa noite mesmo eu deixarei a cidade. Guarde seu dinheiro. No dia sete do mês que vem eu estarei aqui, aí o amigo me paga tudo que ficou devendo.
_Se o amigo quer assim, tudo bem. Eu fico agradecido, vou juntar sua grana, aí quando você passear por essas bandas de novo eu te pago.
Após combinarem sobre o pagamento da aposta, os dois se preparam para irem embora, pois o bar já estava fechando. Zé Carlos acompanhou o forasteiro por uma estradinha que passava por detrás do bar, ao se aproximarem de uma encruzilhada cada um iria tomar uma direção diferente.
_Valdir, foi bom jogar sinuca com você. Isso me mostrou que por mais que a gente seja bom em alguma coisa, sempre vai ter alguém que é melhor.
_É Zé, fico feliz em ouvir você falando isso, nem parece ser o mesmo cabra que horas atrás estava falando para o Bila, que nem o cão era capaz de vencer você hehehe!
Ao ouvir essas palavras, Zé Carlos ficou pálido de medo. Porque Valdir não estava no bar no momento em que ele falou isso.
_Fique com medo não, o diabo não é tão feio como dizem. Falou o forasteiro levantando seu chapéu para Zé em um gesto de despedida, deixando amostra dois pontiagudos cifres que ele possuía no meio de sua testa.
_Ave Maria!! Gritou Zé Carlos, correndo na direção oposta, e pensando consigo mesmo que se conseguisse fugir do cão, iria se tornar o cabra mais religioso daquela cidadezinha.
Dito e feito, o cabra fugiu do capeta e depois daquele dia passou a frequentar à igreja.
Cês acreditam que o homem deixou até de jogar sinuca? Passou a dizer que era jogo do demônio e que cristão nenhum deveria se atrever a jogar aquilo.
Seu Euclides ficou muito triste, porque perdeu o maior jogador de sinuca do seu bar. Já o Padre Joaquim se alegrou por ter ganhando um novo fiel em sua paróquia.