A ESPERA
Eles chegam de manhã cedo, escurecendo ainda mais os céus cinzentos da cidade. São monumentais em sua exorbitante quantidade: centenas e centenas de milhares de aladas criaturas negras, planando em silêncio e sem esforço acima dos prédios, ruas e praças.
Como que contagiados pela solenidade daquele aéreo balé fúnebre, os cidadãos contemplam o céu em muda expectativa. Poucos são os que ousam apontar para cima e olhar em angustiosa interrogação para as pessoas ao redor, como a perguntar se alguém pode explicar o que está acontecendo.
Por um tempo que parece muito longo, nada ocorre. As aves limitam-se a sobrevoar a cidade em círculos concêntricos, coletivamente causando a impressão de uma noite gelatinosa e ondulante que paira sobre as cabeças de todos. Diante da escuridão antecipada, alguém na administração pública se lembra de mandar que voltem a acender as luzes dos postes.
Então os pássaros começam a descer, lentamente a princípio, em uma massiva chuva negra, que cresce em intensidade até evocar, por breves instantes, uma apocalíptica tempestade de trevas. As pessoas nas ruas saem de seu mutismo e gritam de pavor, correndo em busca de abrigo. Mas logo cessa toda a agitação: os pássaros pousaram, trazendo o dia de volta e transferindo a noite para os telhados das casas e prédios, postes e ocasionais árvores.
Em poucos minutos cobrem de irrequieto negrume o topo dos arranha-céus, dos shopping centers e igrejas, das escolas e hospitais, dos condomínios de luxo e casebres nas favelas. Vistos de perto, os bichos são ainda mais assustadores, com suas penas de preto fosco, com suas imensas garras, feitas para arrancar com facilidade a carniça dos ossos, com seus pelancudos e tortuosos pescoços depenados, seus bicos aduncos, de aparência sinistra, seus olhos malévolos fitando em fria avaliação.
Algumas pessoas, mais apavoradas, partem para cima com paus e pedras. As aves limitam-se a bater suas poderosas asas e vão pousar logo adiante. Mas há aqueles que, armados de maior medo e poderio bélico, conseguem abater um ou dois pássaros a tiro de fuzil ou revólver. São tentativas escassas, intimidadas pela avassaladora superioridade numérica dos animais e, sobretudo, por um visceral terror supersticioso, que é expressado à boca miúda:
– Matar urubu dá azar.
Alguns velhos eruditos lembram de um antigo filme de suspense, agora alçado ao cunho de revelação profética, em que os pássaros se rebelavam e atacavam a humanidade. Mas não é isso o que acontece. Empoleirados em seus postos de observação, nossos algozes limitam-se a olhar para nós. E esperam.
por Fabio Shiva
em 20/06/19 (a um mês da Data Limite)