A máquina de matar inúteis

Não faz muito tempo (digo isso um pouco antes da hora final; a minha, não a de todos), o Governo, isso mesmo, o Governo, um único homem que hoje governa o mundo todo, como já previra milênios antes muitas profecias, criou uma máquina para matar inúteis. Foi o meio mais eficaz para diminuir a população mundial, que ultrapassava todos os limites do aceitável e acabava pouco a pouco com a possibilidade de vida na terra.

Isso depois de ter acabado com toda e qualquer violência no mundo, por meios não tão ortodoxos, diria eu se a tanto me atrevesse. O método foi destruir todos os lugares em que havia violência. Ou seja, onde houvesse guerras civis, disputas entre facções, tráfico de drogas ou qualquer conflito que pudesse mexer com a harmonia do mundo, o Governo mandava arrasar o bairro, a cidade, o estado, o país inteiro se fosse necessário, não deixando ninguém para contar a história. E assim, pouco a pouco, todos foram entendendo como funcionava o sistema e aceitando as normas instauradas. Hoje o mundo está em paz, o que é muito estranho e monótono.

Estive numa fila até agora, junto com muitos inúteis. Em todas as cidades do mundo, nas maiores, pelo menos, há uma máquina de matar inúteis. Os que moram em cidades pequenas são trazidos por imensos caminhões, pois nem mesmo esses se livraram da máquina. Homens e mulheres com menos de cinquenta anos, solteiros, sem filhos e sem trabalho são colocados em longas filas e são levados a uma grande máquina por uma esteira que se move muito lentamente. Acho que tudo com o propósito de fazer com que perdure a agonia dos condenados. O engraçado, se há alguma graça nisso tudo, é que os inúteis estão pouco se lixando para o que vai acontecer. Na verdade, com o fim iminente, eles continuam blasé e o tédio que demonstram desanima até mesmo os carrascos a ponto de muitos já terem desistido do trabalho.

Eu estava pensando no dia que o mundo começou a mudar e me veio à mente algo interessante, deveria ter mudado também, mas não o fiz, agora não há mesmo mais solução.

E quando estava chegando minha vez, a esteira parou. Travada com o peso de tanta inutilidade. Droga, vou ter que esperar até amanhã. Ou depois... ou infinitamente. Agora vou dormir e esperar, gosto disso, todos gostamos. Dormir é uma espécie de lema da existência dos inúteis, acho que a máquina vai nos permitir que façamos isso para sempre. Será um sonho realizado, embora saibamos que dormir só é bom porque a gente acorda, pois senão, como saberíamos que é bom?!

A vida é mesmo um paradoxo, um estranho e triste paradoxo, do qual eu pouco sei. Estou aguardando a máquina voltar a funcionar, espero que não demore. Estou meio cansado, mas não sei ao certo por quê (de quê).

João Barros
Enviado por João Barros em 28/05/2019
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