A mata e os protetores
        Ao adentrar aquela mata, buscava uma espécie em extinção. Sabia que seria muito difícil, quase impossível encontrá-la. Andei, adentrando a mata. À medida que fui andando percebi trechos de queimada. Entrei no coração da mata e o mesmo estava descompassado. Ardia em chamas. Animais desesperados tentavam se salvar. E eu mesma, sentindo o calor do fogo, não sabia o que fazer.
         Pensei no que poderia fazer e chamei por ele. Gritei! Nada. Gritei novamente. Mais uma vez. Nada! Gritei a plenos pulmões, pedindo que ele me ajudasse a salvá-la.
        De repente, ele surgiu. Não podia nem conseguia rir diante daquele cenário aterrador. A risada característica e peculiar, que era uma saudação, sinal de felicidade e boas vindas, calada diante de tão devastadora maldade. Perguntou o que eu queria. Disse que fui ali para conhecê-los e encontrei a mata agonizando. Sozinha não podia fazer nada. Pedi que me ajudasse a conter o fogo. Só com ajuda eu poderia ajudar a mata.
        Ele se dispôs a me ajudar mas não sabia o que fazer. Disse-lhe para chamar o seu povo e juntos evocarem a chuva e o vento. Vento e chuva tão fortes que fossem capazes de apagar o fogaréu. Foi o que ele fez! Chamou os seus e juntos trouxeram uma tempestade forte o suficiente para apaziguar a dor da mata.
        O coração da mata voltou à normalidade. Ela agradeceu-lhes, contudo chorou pelas árvores centenárias que foram destruídas pelo fogo. Ela chorou pelos filhotes nos ninhos que não conseguiram escapar. Ela chorou pelos animais que não conseguiram se salvar. Ela chorou por todos os seres que perderam o seu habitat por causa do fogo. Enquanto ela chorava, perguntei o que podíamos fazer para consolá-la. Ela respondeu que só ficaria tranquila, quando aqueles seres destruidores, parassem de fazer-lhe mal. Eram seres estranhos que buscavam destruir o que a Mãe Terra oferecia de bom grado para alimentar todos os seres que lá viviam.
        Os destruidores, como a mata os chamava, chegaram em pequeno número e foram se proliferando, se multiplicando como uma praga naquele pequeno planeta santuário. Eles se achavam melhores que as árvores, os animais e os protetores. Se colocavam acima de todos os outros seres. Por onde passavam, provocavam destruição.
        Nós: a mata, eu, e os protetores ficamos horas ali, conversando e tentando descobrir como poderíamos afastar os destruidores.
        Os protetores nos confessaram que se sentiam impotentes diante daqueles seres que só adentravam a mata para fazer-lhe mal, com as serras, com o fogo, com as caçadas. Apesar da aparência que assustava, os protetores não faziam mal a ninguém. Não podiam machucar os destruidores pois eram seres de luz, que estavam sendo ameaçados pela ação dos destruidores, que dia após dia destruíam. Eles caçavam os protetores e os prendiam em grandes caixas de vidro, onde ficavam expostos e morriam em pouco tempo, por causa da maldade que exala dos destruidores. Sendo os protetores seres de luz, não conseguiam conviver com tanta maldade.
         Foi então que após muita discussão, concordamos com o que deveria ser feito. A partir daquele dia a mata se fechou. Suas filhas, as árvores, cresceram contorcendo os seus galhos, assumindo formas assustadoras e se encheram de grandes espinhos.
        Os protetores, apesar de só terem um metro de altura, passaram a andar montados em onças, javalis e lobos-guarás. Assim conseguiam vigiar os quatro cantos da mata. De pele roxa e enrugada, careca e de olhos vermelhos como o sangue dos animais, assombravam todos os destruidores que tentavam entrar na mata. Para assustar ainda mais, os protetores faziam sua ronda dando gritos horripilantes quando avistavam um destruidor. Com o passar dos anos, os destruidores deixaram de entrar na mata. Tinham medo dos protetores e os chamavam de Monstros da Mata. Acreditavam que aqueles gritos eram dados por seres sobrenaturais.
        A mata passou a ser chamada de assombrada. Graças a tal fama, o solo da mata se reconstituiu, os animais procriaram, as flores cresceram, os protetores se multiplicaram. Tornou-se um local belo, agradável, aconchegante. A vida pulsava feliz naquele local.
        Não muito longe dali, no habitat dos destruidores, a vida tornou-se muito difícil. O ar poluído tornava quase impossível respirar, o solo impermeável provocava grandes enchentes quando chovia, o excesso de lixo e sujeira provocavam inúmeras doenças contagiosas e fatais, passaram a matar uns aos outros para conquistar o que o outro tinha. O coração deles tornou-se cada dia mais duro e putrefato e por causa disso, a sua aparência foi mudado por causa do coração corrompido pela podridão, a pele foi se tornando murcha e com uma aparência esverdeada, foram perdendo a inteligência e a humanidade. Aos poucos, eles foram deixando de existir naquele pequeno planeta.
        Hoje, passados alguns séculos, ainda restam alguns destruidores, isolados numa parte inóspita daquele planeta santuário, todavia, se não mudarem de atitude serão totalmente extintos.


Camaragibe, 29/04/2019
Foto: acervo da autora