Aprendeu, papudo?

E era chegada a hora da grande final. Expectativa e ansiedade afloradas nos gritos apaixonados das torcidas que lotavam o estadio. As cores misturavam-se e, incrível,não destoavam. Vista do alto, de longe poder-se-ia imaginar uma super hiper mega convenção gay. Desconfio que se fosse vista por todo o mundo, ou se o mundo que a visse soubesse observar, a homofobia, bulling e preconceito ficariam sepultados para sempre. Lindo de ver e de ouvir. Uma torcida puxava uma provocação em forma de música e a outra, incontinente, respondia tentando sufocar o som dos adversários. Um espetáculo dos mais bonitos. Uma celebração. Cumpridos todos os protocolos, começa a peleja (peleja é ótimo rs). Os jogadores corriam e suavam, pareciam impulsionados pelos gritos e cantoria. E a cada jogada de efeito um múrmúrio sincronizado, perfeito, regido por maestro invisível. Mas o gol não saia. O tempo fugindo pelos ponteiros do relógio e nada de o personagem principal se manifestar. Fim do primeiro tempo. Descanso para os jogadores e para as gargantas. Tempo para comentar as jogadas. E começa o segundo tempo. E a loucura da arquibancada recomeça em gritos e aplausos. É um balé, digno do Teatro Municipal. Só falta o danado do gol. O jogo caminhando para os minutos finais. E o zero a zero marcando presença. Até que acontece. silêncio estupefato de um lado e gritaria de regozijo do outro. Penalti aos 44 minutos do segundo tempo. E o árbitro não quer papo. É penalti e tá acabado. Recomendações de praxe ao goleiro e cobrador. Os dedos já não cabem nas bocas, os olhos nem piscam que é pra não perder o lance. E o cobrador vai em câmera lenta em direção à bola. Tem supersticioso virando de costas, outro babando no santinho, tem dedos cruzados, tem mãos nos bolsos, torcendo não sei o que. Até o vendedor de cachorro quente, geralmente neutro observa. O goleiro, firme debaixo das traves não mexe um músculo. Filme de suspense é fichinha diante de um estadio de futebol lotado de malucos beleza.

E o cobrador finalmente chega na bola. E bate. Lá vai ela, a bola. e o silêncio é repentinamente interrompido por um estampido vocal ÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓHHHHHHHHHHHHHH !!!! E a voz do narrador, saída de um radinho de pilha grita desvairado: D E F E N D E U O G O L E I R O. E o penalti foi o último lance do jogo. Todos os reporteres de campo correndo para entrevistar o heroi da partida. O mais novo recém elevado à categoria de Santo.

Reporter - Diz pra nós. Como foi defender esse penalti?

Goleiro - Foi Deus. Deus me abençoou e eu pude fazer a defesa.

Reporter - Mas você treinou pra isso

Goleiro - Certo, meu. treinei muito, mas se Deus não quisesse eu não defenderia.

E não deu tempo para outra pergunta. O goleiro foi erguido em algum ombro forte e levado numa volta olímpica, como se já tivesse ganhado o campeonato.

Só que a decisão se faria em dois jogos. Esse, era como se fosse um pré jogo. O próximo só daqui duas semanas, tempo suficiente para crescerem novas unhas, tempo para um eletrocardiograma e tempo para bolar um jeito de descolar a grana do ingresso da grande decisão.

E, eis que chega o grande dia, o dia da consagração ou o dia do rabo entre as pernas. Ou bola ou búlica. Quatro horas antes da partida e o estádio já está lotado. Dentro e fora. Era tanta gente, que o vendedor de cachorro quente já estava vendendo meio cachorro quente ao preço de um inteiro. Nem tudo corre como manda o figurino. - Pura questão de demanda, defende-se o empresário ambulante. E tome cantoria, e tome bandeiras desfraldadas. E haja selfies, sorrizinhos, gente bonita, gente feia e gente nem tanto. Importante é a festa e a gritaria festejando a entrada dos competidores em campo. Uma lindeza só. Um estádio multicolorido. Quase. Os protagonistas tinham uniformes em preto e branco. Um time de camisas pretas e calções brancos e o outro time de camisas brancas e calções pretos Tudo pronto, nos conformes. E começa o jogo. Agora é pra valer, não tem chororô nem lengalenga. É drible, empurrão, provocação...mas gol que é bom.... E tome bola na trave de um lado e gol anulado por impedimento do outro. Tempo passando e nervosismo crescendo. E termina o primeiro tempo. E começa o segundo tempo. E o tempo vai passando. Um torcedor por falta do que fazer decide torrar a paciência do técnico ´- Técnico burro. tira o D'ran do banco e bota pra jogar. Incrível como torcedor entende tudo de futebol e o técnico não entende nada. Técnico implicante, nem olha para o D'ran. E mais bola na trave, falta perigosa e murmúrio das torcidas. E o empate lá, persistente. enquanto isso a maquiagem da torcedora que chegou toda elegante, já desmilinguiu-se. Está toda borrocada mas não está nem aí. Quer é gritar. E o jogo se encaminha para novo empate sem gols. Que pena. Restam apenas cinco minutos e mais os acréscimos, que não são muitos. A Angústia e o medo se misturam. Quanto mais perto do fim mais o medo se mostra nos rostos. Um gol agora, pra qualquer lado é fim de jogo, não dá tempo de reverter. Mas, Deus é pai. E o milagre acontece. P E N A L I D A D E M Á X I M A, grita o narrador, que já chupou trocentas balinhas de menta pra poder manter a voz. Situação invertida. Agora foi o outro time que sofreu o penalti. Uma coincidência inexplicável. ( eu não acredito em coincidências). Buchincho formado em volta do árbitro. Buchincho na torcida. Começo de briga com intervenção da polícia, que está alí pra fazer o que deve e o que gosta. Descer o cacete. A paz precisa ser mantida, nem que seja no safanão. ânimos serenados e vamos ao que interessa. Recomendações do manual ao goleiro e cobrador. Para o goleiro. _ se se mexer, mando repetir a cobrança. Para o cobrador - Se der paradinha, mando repetir a cobrança. Todo mundo sabe que é cascata mas finge que entendeu. E vamos que vamos. Suspense num silêncio sepulcral na arquibancada. Cobrador olha para o goleiro que olha para o cobrador que joga beijinho pra desestabilizar. É guerra, vale tudo. O cobrador toma uma diistância que sugere que vem tirambaço. O goleiro saltita debaixo da trave, talvez para provocar uma vesguice no cobrador e ele chutar para fora. Vale tudo. O árbitro apita. O cobrador sai em disparada, tal qual o touro Ferdinando. Suspense...................................................................................

E o impensável acontece, de novo. D E F E N D E O G O L E I R O . O árbitro, ladino que só ele, apita o fim do jogo. Seguro morreu de velho e prevenido inda está vivo. Complicar pra que?

E a cena se repete, dessa vez com o outro goleiro. Reporteres se estapeando para conseguir entrevista.

Reporter - Conta aí. Qual a emoção de defender um penalti tão fundamental?

Goleiro - Cara. Sem palavras pra descrever. Só posso afirmar que foi Deus. Deus me glorificou e eu defendi. Deus é fiel.

A decisão vai para os penaltis. Cinco cobranças alternadas para cada lado. Persistindo o empate, cobranças alternadas, até que alguém perca o gol. Isso é que é sofrimento. E não deu outra. Perfeição nas cobranças e o empate insiste em fincar pé. Cobranças alternadas. E ninguém erra. É gol atrás de gol. Todos os jogadores já haviam batido seus penaltis. E foi então que o árbitro decidiu inovar. Já que nunca antes na história desse futebol acontecera tal fato, foram convocados, por ordem de importância os dirigentes dos clubes. Presidente, vice presidente, segundo vice, tesoureiro, conselheiros, roupeiros, massagistas, gandulas. Todos converteram suas penalidades. E o árbitro, criativo da mamãe, convocou um torcedor de cada time. Nada feito. Os torcedores, eméritos conhecedores do futebol, medraram. Como se diz na gíria: colocaram o galho dentro.

- Nós viemos aqui foi pra torcer. Não temos responsa nessa bagaça não. Qualé?

E enquanto a celeuma persistia ouvia-se, não se sabe saída de onde, um risinho jocoso (jocoso é bom demais rs) numa voz suave que susssurrava mas que era audível em todo o estádio.

- é para aprenderem a não usarem meu nome em vão. Não me meto em pendengas terrenas.

Só sei dizer que os refletores do estádio continuam acesos faz tres dias e as torcidas continuam gritando. Baixinho, roucas.