Amor à prova de balas
A noite já havia caído, e Joe continuava a trabalhar sozinho na siderúrgica, enchendo vagonetes com minério que seriam derretidos na fornalha e transformados em vergalhões. Joe não se importava com a solidão, nem com o trabalho incessante - tinha um objetivo em mente. Além disso, seus companheiros não possuíam corpos feitos de metal como o dele, e tinham que fazer pausas frequentes: para comer, dormir, ver as famílias; sentiam dor e cansaço, fome e tristeza. Nada disso afetava Joe.
Mary parou na entrada do galpão da fábrica, e ficou apreciando Joe trabalhar, seu corpo brilhando sob a chuva de faíscas que saltava do metal derretido num cadinho, sendo despejado em moldes. Mesmo daquela distância, podia sentir o calor. Para Joe, aquilo talvez fosse apenas um leve incômodo. Finalmente, ele a percebeu e ergueu a cabeça.
- Algum problema, Mary?
- Eu não quero atrapalhar, Joe. Fico fascinada com a sua habilidade de transformar o minério em todo tipo de coisa útil...
- É o que eu sei fazer - replicou ele, voltando ao trabalho. - Mas se quer falar, pode ser daí mesmo - está muito quente aqui para você - mas meus ouvidos vão lhe dar toda a atenção.
- Obrigada, Joe - disse Mary, mãos entrelaçadas à frente do corpo. - Então... sabe que vou ser o principal prêmio da competição de levantamento de peso no final de semana?
- Você vai ser... um prêmio? - Questionou ele, intrigado.
- É uma tradição do nosso povo - explicou ela. - A moça mais bonita da aldeia... e eu assim fui considerada... é dada em casamento ao vencedor da competição anual. Antes de você chegar, os homens disputavam levantando novilhos, jumentos... mas em sua homenagem, irão usar uma bigorna este ano.
Joe parou de trabalhar.
- E você pode ser obrigada a casar com qualquer um?
- Sim.
- Imagino que não esteja satisfeita com isso...
- Não estou. E, na verdade, vim lhe pedir um favor: peço que dispute a competição - e ganhe! Todos sabem que você tem a força de vários homens e pode levantar a bigorna com um dedo.
Joe cruzou os braços, pensativo.
- Isso é verdade, mas há um problema no seu raciocínio: eu não posso ter filhos. Sou feito de metal.
- Sei disso, Joe... mas sei também que é uma pessoa bondosa.
* * *
E no dia da competição, Joe apresentou-se perante os demais homens para disputar a mão da bela Mary. E todos começaram a murmurar que aquilo não estava certo.
- Como "não está certo"? - Retrucou ele indignado. - Então, sou bom o bastante para lhes ensinar metalurgia e trabalhar por 29 homens, mas não o suficiente para querer me casar com Mary?
- Você é todo feito de metal - arguiu um dos contendores. - Deveria procurar uma mulher que seja como você.
- Há algo nas tradições que impeça um homem de metal de participar da competição? - Insistiu Joe.
- Nunca houve um homem de metal entre nós - respondeu o organizador do evento. - Mas, você tem razão, já provou ser merecedor de estar aqui tanto quanto qualquer um de nós.
E Joe ganhou a competição, levantando a bigorna com o dedo mindinho. Foi muito aplaudido quando ergueu Mary nos braços, mas ele ergueu a mão direita pedindo silêncio:
- Ganhei, mas não vou levar. Ocorre que não é a mim que Mary ama, mas ao Pete, que também é um bom sujeito. Dê um passo à frente, Pete.
Pete mal pôde conter-se de felicidade. Mary deu um sorriso agradecido para seu salvador:
- Você sabia que acabou de quebrar uma tradição?
- Estou me especializando nesse tipo de coisa - declarou ele, depositando a garota nos braços do amado.
- [10-04-2019]