O retorno
Era uma agradável tarde primaveril, quando um táxi preto pára diante da entrada da elegante loja de departamentos.
Do táxi desce Amélia Oliveira Telles Eckhart. Uma mulher bonita, 35 anos, casada, dois filhos e bem sucedida.
Dentro da loja ela entra no elevador, e pede educadamente ao ascensorista o nono andar. Alguns segundos se passam e ela percebe que o ascensorita continua imóvel e olhando fixamente para os botões iluminados no painel do elevador.
- Por favor, o nono andar! pede gentimente a bela mulher
Ao notar o descaso daquele homem, aquela mulher agora impaciente, quase aos gritos, pede novamente o andar no qual deseja ir.
- O senhor está me escutando? Eu quero ir ao nono andar, poxa!
- Tem certeza disso, senhora? pergunta o ousado homem
Surpresa e irritada com a audácia da pergunta, ela retruca:
- Como assim?! Mas é claro que eu tenho certeza!
Num gesto brusco, o misterioso ascensorista aperta o botão e a leva ao desejado andar. Ainda irritada sai do elevador e não agradece.
- Boa sorte, senhora! diz o enigmático homem
A porta do elevador já se fechava, quando ela se vira e pergunta:
- Como disse?!
Pensava na arrogância do ascensorista, quando se deparou naquela sala enorme, fria e com muitos objetos, principalmente manequins.
Eram duas horas da tarde e estranhou o fato de não haver clientes e atendentes naquele horário.
Investigava aquela sombria sala, quando uma mão pousa em seu ombro e uma voz suave, porém firme, lhe diz:
- Posso ajudá-la?
A atendente era alta, aparentava meia idade, cabelos grisalhos, usava óculos, dentes bem cuidados, assim como o seu trajar.
- Sim, claro! respondeu aliviada depois do susto inicial
- Semana passada vi um anel nesse departamento e hoje resolvi comprá-lo. Mas acho que estou no andar errado, pois aqui só há manequins.
Desculpou-se e já caminhava na direção do elevador, quando a atendente sentenciou:
- Você está no lugar certo, Amélia!
Surpresa, Amélia indaga:
- Como sabe o meu nome?! Nos conhecemos?!
Ao que a atendente responde, agora cuidadosamente se aproximando.
- Se você sentar, poderei explicar com calma o que acontece...
Apertando aflitamente o botão de chamada do elevador, aquela mulher que a poucas horas, mantinha em total controle as sua emoções, vivia agora um verdadeiro pesadelo Kafkiano.
- Perdão, mas não tenho tempo para conversar agora!
- E esse elevador que não vem!
- Aonde fica a porta que dá acesso as escadas? Por favor, me ajuda! suplicava em lágrimas a desesperada mulher
Mantendo o controle , a atendente consegue tranquilizar Amélia, que ainda relutante resolve sentar e ouvir algo plausível para tentar compreender todo aquele absurdo.
- Você realmente não se recorda de nada, Amélia? questiona a atendente
- Me recordar do quê, meu Deus?! responde com outra pergunta a angustiada mulher
- Ok, vou te explicar...Mas peço que não me interrompa durante as explicações, tudo bem?
Calada e olhando para o chão, Amélia concorda com um gesto de cabeça.
- Olha, sei que te vai parecer loucura; mas apenas ouça com atenção:
- Todos os meses um de nós é o escolhido para passear e conhecer o mundo ai fora.
- Temos a permissão de um líder para ficarmos exatamente um mês, passeando, viajando e até o de conhecermos pessoas.
- O problema, no seu caso, é que você saiu e não retornou durante cinco anos. E sequer deu notícias.
- Esse prédio tem nove andares, sendo que apenas nos oito andares existem lojas, percebe, Amélia?
- E você pediu justamente pra vir até o nono...
Nesse momento, Amélia nota que a coloração de seus pés estão mudando.
- Sinto os meus pés enrijecer, o que está acontecendo?
- É a metamorfose, amiga, já está acontecendo...
Responde a atendente, em tom cordial
- Levante que vou te ajudar a voltar ao seu lugar de origem.
Ao se aproximar dos manequins, Amélia que até então, nada compreendera, começava ali a ter lembranças e insights de sua vida pregressa.
- Mas tudo era tão real! diz agora uma resignada Amélia
Com o corpo em quase total transformação, e já colocada em seu altar, Amélia faz a sua última pergunta:
- Vou rever a minha família um dia?
Antes que ouvisse qualquer resposta, aquela bela mulher que ousara ter um nome e uma vida, agora transformara-se em um boneco.