Galinhas

- Quando vai ser?

- Hoje, depois que o Chiquito sair para o colégio.

A família de Chiquito estava desesperada. Com a crise e as novas regras trabalhistas, o pai só trabalhara três horas no mês anterior. A mãe, grávida de seis meses, acabara de perder o emprego insalubre numa empresa terceirizada, cujos donos haviam desaparecido sem pagar um centavo aos colaboradores. Sem dinheiro para comprar ração e sem ver carne na mesa há um bom tempo, a horrível solução encontrada foi matar a Branquinha.

Branquinha era o nome da galinha de estimação de Chiquito.

* * *

Um vulto encobriu o sol. Num movimento reflexo, Branquinha encolheu-se contra o solo, olhos fechados. Quando os reabriu, o dinossauro ainda estava lá (bem, não era propriamente um dinossauro, mas como todas as aves são parentes distantes dos dinossauros, creio que a imagem é válida).

- Você sabe quem eu sou? - Perguntou o vulto de bico e garras afiadas.

- Você é o Mal! Afaste-se de mim! - Cacarejou trêmula Branquinha.

- Galinha tola! Não vim comê-la - até porque você está muito gorda para que a leve para o meu ninho... e também porque ultimamente há toda sorte de bicho pequeno morrendo por aí. Essa terra está um paraíso para os carcarás! Não, eu vim lhe dar um aviso!

- Um aviso? - Perguntou Branquinha desconfiada.

- Sim, um aviso. Em nome da fraternidade das aves, vá lá que seja. Esses humanos com quem você vive, não são seus amigos, como querem fazer crer.

- Os humanos me defendem de criaturas como você - cacarejou ferozmente Branquinha.

- Lhe defendem para poder comê-la quando estiver grande e suculenta - piou o carcará com ironia. - Você não voa por este mundo, portanto não sabe do que os traiçoeiros humanos são capazes. Eles constroem campos de extermínio para as suas parentes, e depois as comem em lugares chamados restaurantes. Alguns, aliás, só servem galinhas. Humanos adoram galinhas!

- Estes não são os meus humanos! - Protestou Branquinha.

- Todos os humanos são iguais, e igualmente desprezíveis. Vou profetizar o seu destino: muito em breve, aqueles que considera amigos virão lhe buscar, e a levarão para ser cozida, assada ou frita!

- Não! Não! - Cacarejou Branquinha com horror.

- Sim! Sim! - Prosseguiu o impiedoso carcará. - Você está perdida, a não ser que dê aos humanos uma boa razão para não matá-la. Há uma coisa que eles apreciam mais do que galinha frita.

- E que seria...?

- Dinheiro, é claro.

* * *

- A Branquinha está na porta, cacarejando como uma louca - disse a mãe de Chiquito para o marido.

- Botou um ovo ou veio se oferecer para ir para a panela? - Questionou o pai.

- Não sei. Mas está tão agitada que é melhor você ir ver. Vai que uma cobra entrou no quintal...

O marido achou improvável, mas na dúvida, pegou um facão e saiu para o quintal. Ao vê-lo, a galinha fez o que o carcará havia lhe dito: correu para junto da jaqueira e começou a esgaravatar a terra, sempre cacarejando e batendo as asas. O homem a olhou intrigado.

- Mas que diabos deu nesse bicho?

Como a pantomima continuasse, ele acabou por desconfiar.

- Parece que há algo enterrado aqui...

E voltou à casa para buscar uma pá. Depois de cavar cerca de meio metro, a pá bateu contra algo metálico. Ele abaixou-se e limpou a superfície da terra com as mãos. Depois, abriu um largo sorriso.

* * *

- Quem foi Pablo Escobar, papai? - Perguntou Chiquito, olhando para a caixa de metal enferrujada e as pilhas de notas de 100 dólares sobre a mesa da cozinha, ao redor da qual a família estava reunida. Pai e mãe se entreolharam, e o homem acabou por dizer:

- Diz a lenda que Dom Escobar foi um homem muito bondoso, que andava por todo o país enterrando caixas com dinheiro para serem encontradas por pessoas desesperadas, como nós.

- Mas, se alguém perguntar, recebemos uma herança da tia Maria - atalhou rapidamente a mãe.

- E com esse dinheiro, filho, vamos poder abrir nosso próprio negócio! - Exclamou o pai. - Sua mãe não vai mais precisar trabalhar para ninguém! Você poderá ir para a universidade na capital!

A esposa lançou um olhar pensativo para o marido.

- Mas você acha mesmo que abrir uma granja é uma boa ideia?

- Não só uma granja - que, aliás, será batizada em homenagem à nossa querida Branquinha - mas também um restaurante. Temos dinheiro suficiente para isso!

- Uma galeteria! - Disse a mãe com ar sonhador.

- Sim, uma galeteria! - Ecoou o pai. - Afinal, todos gostam de frango assado nesse país...

E assim foi feito. Os descendentes de Branquinha fizeram a festa dos humanos apaixonados por galinha frita e dos carcarás que circulavam ao redor da granja, Chiquito virou um empresário e palestrante de sucesso, onde sempre falava sobre as virtudes da meritocracia e do trabalho duro, e Branquinha...

Branquinha morreu de velha. Velha para uma galinha, claro.

[28-04-2017]