Ganha Pão

Pro pai, brinquedo de menino é facão

A terra vira curativo, se cortar a mão

Lá onde ele tá, tudo se confunde com profissão

Dinheiro vem da roça, do plantio da mandioca, pra fazer farinha e pirão

Na beira da estrada, o milho, a manga e o cajá tem preço tabelado

Mas o desejo do viajante já tem nome marcado

É a ingenuidade daquela que mata a fome de quem chora no braço

E cede a caprichos de quem milita por matrimônio sagrado

O vizinho tem casa de tijolo, pintada e murada

Sou até afilhado do dono do carro, da Internet e da TV a cabo

Passo um dia, uma semana e depois lá tô vivendo

Fazendo favores ao padrinho, na casa murada tô comendo

A irmã se domestica para arranjar um marido

Ela lava, passa e cozinha aos pretendentes fazer bonito

A adulta, que mal virou moça, a ele está prometida

Sem véu nem grinalda, segue o exemplo da mãe, ainda cativa

O filho mais novo só pensa em dar trabalho

Não quis ir à escola porque não tinha caderno, lápis nem sapato

Preferiu seguir ensinamentos da vida e com amizades se juntou

Quis dar casa murada à mãe, mas pra Pedrinhas se mudou

O pai da roça, que fazia farinha e pirão, morreu de mau agouro

Aquela do choroso no braço, à beira da estrada voltou de novo

O afilhado gentil ainda se beneficia da boa-feitoria do padrinho

A irmã agora vai debutar, mas o presente é da mãe: um netinho

Na escola da vida, o filho mais novo agora é pós-doutor

Nem precisou de sapato e lá no endereço novo se formou

O sonho da casa murada não parece estar tão distante

Já que o trabalho dele é incessante pra não ter aquela vida d'antes