[Síntese da Desesperança]

[Lendo G. Garcia Marquez...]

Sabe, que eu não tenho pejo algum em mostrar meus ingênuos achados! Sou tardio mesmo em compreender profundamente certos fatos da vida: só agora, no limiar da velhice, a frase atribuída a Sócrates, "só sei que nada sei", prancha-se na minha cara de forma estúrdia, realística, clara, mostrando-me o nada que sou, o "caniço pensante" que tem de se dobrar aos mistérios dos ventos.

Olha só: passando pelas bordas das favelas do meu país, pelas esquinas das noites das grandes cidades, pelas fraldas dos barrancos incrustados de barracos prestes a ser engolidos numa avalanche, pelas palafitas sobre águas podres, pela calamidade da escola pública, pela morte dos sonhos dos jovens, gritou alto na minha cara, este achado que deve ser conhecido por muitos, mas até a semana passada, havia me escapado. Aí está, trata-se desta poderosa síntese de Gabriel Garcia Marquez em "O Outono do Patriarca"...

"...repartir tudo entre os padrecos, os gringos, e os ricos, e nada para os pobres, naturalmente, porque estes estarão sempre tão fodidos que no dia em que merda tiver algum valor, os pobres nascerão sem o cu"...

Este simples registro reafirma não apenas a minha ignorância, mas também a minha total desesperança na cura da dolorosa paisagem do país.

Amanhecerão as esperanças sobre as desgraças dos pobres? Haverá uma alvorada, enfim? Digam-me que as margens da Via Dutra, chegando em São Paulo ou no Rio, em breve serão um jardim magnífico, e eu repetirei com todas as minhas forças a frase do meu conterrâneo JK:

"...lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé..."

- Agora, eu só vejo trevas...

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[Penas do Desterro, 18 de maio de 2008]