PROPRIAMENTE DITO

Para uma Zuleika dos Reis

Não tenho mais palavras para falar sobre isso. Isso continua existindo, mas não tenho mais palavras e não sei como isso pode continuar existindo sem palavras com que eu possa falar disso. Sem palavras para falar disso, não posso comparar isso com aquilo, não posso separar isso daquilo. Sem palavras sobre isso, não posso isso. No Princípio foi o Verbo e assim continua o mundo reconhecível, sem Depois nem Antes dizível.

Não tenho o verdadeiro verbo dos que ousam afirmar:Não desejo mais isso. Ainda desejo isso, as palavras disso, mas isso não se dá mais em palavras, tampouco isso se dá no verdadeiro silêncio disso. Isso não se dá mais, no entanto continua e não sei como continua sem palavras nem silêncio. Isso é a impossibilidade possível na possibilidade impossível e a possibilidade impossível na impossibilidade possível das palavras a dizerem isso e do silêncio a calar isso que continua existindo e que ainda desejo, sem poder calá-lo, sem poder dizê-lo.

Um dia, eu tive as palavras disso. Elas vieram junto com isso, nasceram ambos ao mesmo tempo. Isso era o que se dizia disso e as palavras diziam o que era e o que não era isso. Nas palavras, o completo disso, seu tudo-nada. E o silêncio também era o sendo e o não-sendo disso. E isso era pleno, na própria palavra e no silêncio próprio de si mesmo.

Agora, isso continua no seu sendo e no seu não-sendo. Mas, as palavras e o silêncio disso só não são, nunca mais sendo. Desde quando? Desde quando as palavras e o silêncio disso só não são, nunca mais são isso, que continua sendo só no alheio de si mesmo? Em que momento isso se tornou só isso? Como um coração que bate à nossa revelia? Por um átimo, quase senti o coração disso batendo.

O coração pulsa, isso ainda pulsa, mas não é um coração. Isso é isso, não é aquilo, aquilo nunca será isso. As palavras podem criar tudo, não podem transformar isso naquilo. Também o não-sendo disso não é o não-sendo daquilo.

Como isso continua, se as palavras disso, se o silêncio disso já não são? Como continua existindo o que não tem palavras nem silêncio? Talvez isso tenha se tornado outro-isso, habitante do Verbo e do Silêncio de outro mundo e, por esta razão, eu só poderia falar disso-outro, ou calá-lo, apenas com os verbos e os silêncios daquele idioma de mundo que não conheço.

Isso-outro não é mais isso para o quê havia as palavras do meu mundo. Talvez isso tenha se tornado apenas o eco do idioma de alguma civilização perdida, ou o eco do idioma de alguma civilização futura, cujos verbos alguém que não eu pronunciará, cujo silêncio alguém que não eu calará, esse-outro-pretérito-futuro, esse-outro nunca sido nem jamais vindouro, desde o sempre e para sempre o Diverso disso que, em instante irremediavelmente incognoscível, perdemos na palavra e no silêncio do presente mundo.

Zuleika dos Reis (a outra)