ENOMIS

Era uma vez um príncipe almejado por todas as donzelas, porém seu grande amor chamava-se Enomis, e tanto amor lhe vinha não apenas do nome, que significa "A de Olhar Gentil", mas também do ouro, um dos seus atributos.

Engana-se quem pense que o metal deslumbrava a mente do mancebo e não a sua beleza ebúrnea.

Erra quem acredite que o amor ao ouro é indignidade. Os que cobiçam ouro para com ele comprar prazeres e poder, não amam em verdade o ouro e sim aqueles prazeres e o poder. O fascínio do ouro não os toca, esbanjam-no, qual tagarela as palavras.

Não estava neste caso o príncipe, que com ele se engalanava cada manhã, após as ablusões e até na cabeleira espargia uma fina camada do metal preciosos. Cintilava o ouro sobre a testa régia, dir-se-ia, do sol, um suave orvalho.

Tal hábito sagrado diferenciava os seres de alta estirpe do resto dos mortais; distinguia-se deste modo o jovem cavalheiro tanto do campônio rude quanto do mais erudito cortesão.

Como vedes, de Enomis não poderia desejar o ouro e sim seu puro encanto.

Enomis era, contudo, uma vestal. Sacerdotisa devotada a um vasto culto no qual, após a iniciática cerimônia, onde confluiam duas primaveras, aos astros nunca mais mostrar-se-ia. Viveria, daí por diante, vestida somente pela longa cabeleira. Nada decorava o aposento da reclusa. Imaginava-se, no entanto, que tênues esculturas de vapor perfumavam devagar a cela, por cujo chão marmóreo deslizavam os pés nus.

Existia invisível. Do claustro não vasava sequer sua voz de brisa, que de castidade era o voto, e de silêncio, e de nunca elevar os olhos para o altar.

Definhava o mancebo em meio a riquezas incontáveis, Ocultava-se na alcova, submerso em melancólica penumbra, pois nem o supremo bem da liberdade o atraía. Da harpa, as mãos, languidesciam. Temendo ecos de uma voz perdida, as cordas não mais ousava dedilhar. Pesadas cortinas o isolavam da campina circundante. Morriam nas pregas do veludo os trinados e o brilhar do sol, e a lua, menos sutil que Enomis, da presença do amoroso foi banida.

Estórias como esta não têm fim, e mesmo seu final parece incerto.

Cala-se o venerável bardo cego e empunha seu cajado. Vá-se.

"Livro das Cinzas e do Vento", canto cxv

A tradição impõe que o escrito vire cinzas que sejam espalhadas pelo vento.