A TERRA NATAL

O violonista compõe a pintura de sua terra natal enquanto a partitura das ruas próximas, quase coladas à janela, invadem-lhe os olhos com notas dissonantes, estridentemente alineares.

A terra natal é longe demais, nem sabe quando. Quanto do seu perfume se reflete na pintura que o violino tece é algo que sempre lhe escapará. E, no entanto, uma e outra nota da partitura, a ecoarem na janela, toques de dedos, carícias da terra antiga nas searas do sangue. De repente.

Calados estão os cânticos na foz da tarde. Na foz da tarde os suores do sonho, os gritos sob a pele, as barcas do esquecimento.

Atravessar a ponte até onde está o descobrimento. Reconhecer-se no ar, na novidade do ar, na luz. Ruas que caminham histórias, histórias para a intimidade do olhar. Nos vitrais das igrejas, pegadas de Deus. A piedade de Deus nas areias da procura.

Coladas na janela, a partitura das ruas próximas.

Texto escrito em dia de meu aniversário, 11 de outubro, em 2005, no quarto do Hotel Pantanal, Rua Afonso Celso, Vila Mariana, em frente ao Colégio Brasílio Machado, onde estudei durante sete anos, há tantos, tantos anos... hotel para o qual fugira, porque não queria ser encontrada ( dessas fugas tão necessárias a mim, talvez a muita gente que talvez não ouse confessá-lo a si mesma).