"Madrigal ao passado"
Já recobrei, na noite invadida, os sentidos que me foram roubados. Os vãos e becos percorridos, sórdidos e melancólicos, fizeram-me uma forte vestida de fraca: a embalagem danificada cujo conteúdo permanece puro, levianamente intocável.
Revivo, quando na impotência da realidade, um passado permeado de inocência e ideologias, resgato-me naquela mágica presença, entre compassados ritmos de vinil impregnados no tênis, cuja sola ainda segrega os cálidos encontros. Revigoro-me naquele beijo fervoroso interrompido pelo segurança, nas mãos incontroláveis do menino e na candura observada diante do espelho.
E na madrugada, deste meu tempo de agora, desbravar o incógnito que perambula no meu consciente. Esvaziando todo o líquido alucinógeno existente dentro daquela garrafa, esquecida por algum poeta de indeterminada Era longínqua. Amanhecer como numa pintura: íntima e sensual – desnudando-me para a paisagem ainda em formação em minhas retinas.
Amanhã, outra noite anunciará a mesma madrugada, então clamarei ao amor andarilho: escandalize-me às pressas, como a quem exige à atenção de uma criança. Pois no orvalhar desta a quem conheço por “madrugada”, fará-me eternamente em palavras: indecifrável, justaposta, esteticamente perfeita e, sobretudo, única!