Irresistível Fascínio

O som espalhava-se pelo ambiente, de modo suave e envolvente. Não havia possibilidade de não se deixar levar pelos acordes melodiosos que seduziam os sentidos de todo aquele que ali chegasse.

A música tem o incrível dom de nos transportar através do tempo. Parece romper a linha divisória entre presente, passado e futuro, criando assim uma dimensão à parte onde tudo está ao alcance daquele que ousar permanecer de tocaia nesta fenda da eternidade...

A musicalidade está contida na fração de cada momento e a vida pulsa em sintonia com os acordes, sussurrando com delicadeza o segredo da existência. Ah! Benditas sejas a tolerância e a paciência que possibilitam a dádiva da percepção. E haja força e determinação!

A pianista insistia em fazer-se ouvir, como se houvesse urgência em desabafar alguma emoção contida que lhe afligia a alma, ou quem sabe apenas manifestasse a docilidade do amor ao dar vazão ao sentimento que impregnava cada nota musical elaborada.

O ambiente parecia estar de sobreaviso, captando a atenção de quem ali chegasse de modo a torná-lo incapaz de perceber outro sentir que não este amor desesperado e louco, mas ao mesmo tempo doce e terno, que provinha da melodia suave que vibrava por todo o recinto.

Ah! O inexorável culto à emoção! Ritual sagrado em que se grava no espaço atemporal a espessura do amor; amor que ecoará para sempre tal qual as estrelas no céu. Assim se persegue o intangível, espreitando com vagar o estranho dom do existir...

Quanto mais a melodia se intensificava mais suave o pulsar do coração. Não se pode explicar a natureza da paixão, é mistério que ninguém desvenda, nem mesmo quando se está apaixonado! Segredos que o Universo abriga, e sorrateiro entrega ao firmamento, sabedor que o tempo ali não pode se impor.

Havia algo no ar, que junto à sonoridade se espalhava tomando conta do lugar. A casa era grande, espaçosa, possuía diversos cômodos, todos bem arejados, apresentando uma decoração colonial, tão romântica quanto acolhedora. Podia-se pressentir o toque delicado de algum sentimento ainda não definido, embora intenso, que pairava por toda a atmosfera deste lar.

Por um segundo uma pausa, rigorosamente, dentro do compasso. Foi quando ele chegou. Silenciosamente abriu a porta da frente, e seus passos foram macios e abafados, ao caminhar sobre os tapetes coloridos. Sorrateiro esgueirou-se até a sala de visita onde o piano se alojava e de onde provinha o som que o encantava.

Aproximou-se devagarzinho e sem ruído, olhando fixamente para a mulher que executava com propriedade o som que o atraíra até lá. Finalmente a enlaçou por trás.

De imediato ela soube que era ele. Não se virou e nem se preocupou em suspender o que fazia. Ao contrário empenhou-se mais em executar com perfeição e sentimento a partitura que conduzia com desenvoltura seus dedos sobre o teclado.

Ele apenas sussurrou em seu ouvido o amor que o alimentava e que buscava partilhar nesta noite especial, deixando-a antever a intensidade de seu desejo.

Então, como se houvessem ensaiado até a exaustão, ambos se beijaram e a casa toda, embora na penumbra, transformou-se num palco iluminado, aonde o recital ia se encerrando deliciosamente sem pressa alguma.

A noite estava apenas começando e o amor exibia toda a vitalidade que a mocidade lhe confere. Aos poucos o silencio invadiu a sala para depois acompanhar o som da paixão que sobrepôs os últimos acordes que escaparam do piano.

Na sala de visita, do casarão colonial, podia-se ouvir apenas o som de respirações

ofegantes, embalando o som da noite que se aproveitou da oportunidade para silenciar-se também.

E quando a madrugada rendeu a noite, havia apenas a lembrança do som que o piano emitiu e a melodiosa presença do amor.

Priscila de Loureiro Coelho
Enviado por Priscila de Loureiro Coelho em 04/05/2008
Código do texto: T974761