Carta

Despeço-me da vida, não como alguém que nunca soube reconhecer o imenso valor que ela tem. É importante dizer: Não fui e não sou uma pessimista... Estou deixando a vida, justamente porque a amo. E a amo demais para me render ao triste “continuar”, que para mim é mais um fim, que a imposição moral me deixou de herança.

Nunca fui uma mulher de amores fáceis, sempre me dispus a buscar o proibido, sempre gostei de mergulhar nas mais profundas profundezas... E nem o meu prazer se fazia com “tapas leves”, nunca fui satisfeita sem que uma muito forte violência me tocasse. Também não tive uma vida contemplativa... acho que nos meus dezoito anos de empiria não tive muito tempo para a literatura e a filosofia (duas grandes necessidades, sem as quais eu não vivi, mas para as quais eu não vivi). De todo o pouco que eu li, o que menos entendi foi a mediania aristotélica. Sempre gostei dos extremos. Na minha vida nunca dei muito lugar para o morno, gosto do gelo e do fogo... Para mim só existem dois gêneros, e porque haveria Deus de criar apenas homem e mulher, se tivesse graça a mediania?

E falando em gêneros... Durante minha vida tive também tempo de aproveitar todos os prazeres efêmeros que esses tipos podem proporcionar. Mas, não tive tempo pra me “resolver”... Talvez nunca tenha querido fazê-lo. E, falando de sexualidade (é disso que falo) ninguém é bem resolvido... Os médicos, psiquiatras e religiosos (moralistas falidos em busca de um saber sem valor) diriam que sim, mas eu nunca tive tempo para dar ouvidos a tão baixo falacionismo.

Nunca entendi porque as pessoas dão tanto valor para aquilo que elas acham que é perpétuo se o prazer está mesmo é na efemeridade. Não acredito nem que Deus seja eterno. Que Deus sem graça é esse que vive eternamente sentado na sua poltrona e olhando para baixo! Tudo seria mais bonito se entendêssemos Deus como o cara que criou tudo e foi embora: Ele planejou tudo, realizou, se deliciou na ordem caótica que criou, gozou com sua criação (achando tudo muito perfeito) e se foi.

Depois dessa “viagem metafísica” devo tentar explicar o motivo da minha despedida... Como eu dizia, a vida me foi muito boa até que eu mesma me fizesse refém dela... Até que eu experimentasse do extremo dos meus extremos, da violência mais violenta que já provei: a paixão por um único homem ( porque se apaixonar por todos ao mesmo tempo sempre foi tarefa fácil). Agora, muitos já sabem de quem falo, não me sinto mais na necessidade de explicar... É exatamente isso que estão pensando, meus caros: Àquele que me ofereceu ombro quando eu chorava, que me recostou a cabeça em suas pernas pra eu dormir, que me levou pra casa em noites de puro torpor, que me defendeu de tudo aquilo que me fez temer, à esse eu apenas amo, nunca fui apaixonada por homem assim... O real motivo de minha aflição, de meu desespero, de meu sofrimento, a minha paixão é aquele que me bateu quando eu queria um colo, o que nunca foi civilizado e me fez ser humilhada, o que provou pra mim que o que eu sempre ousava recusar (talvez porque sofresse da mesma doença que os moralistas) era o que eu mais queria, o meu objeto de desejo, talvez meu objetivo... É por esse guerreiro que tremo de paixão, é pela mordida desse vampiro que me despedirei da vida, se eu não for agora jamais me tornarei imortal, se eu ficar, serei tomada para sempre pelas leis que me cercam...

Mas, como vou embora, em instantes, nada mais poderá me prender, vou mergulhar no azul, num lugar destituído de regras morais e naturais.

Oferto agora meu sangue á eternidade... Sou viva demais para continuar a viver.

Lívia Noronha.

Belém, 14 de abril de 2008.

Lívia Noronha
Enviado por Lívia Noronha em 02/05/2008
Código do texto: T971517
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