[A Espessura da Solidão: Na Tocaia do Tempo]

Palimpsesto: um segredo que é mantido por que há profusão de palavras excessivamente às escâncaras — há sempre um discurso sob a pele de outro discurso!

Lido alhures, de uma autora desconhecida: "... E ficar à espreita do que será logo a seguir é acreditar no futuro."

É uma doçura quase inefável refutar você, autora dessas palavras... uma doçura serena assim, como se, por uma mágica, estivéssemos conversando numa sala calma, deitados num tapete macio, lareira acesa, vinho a um terço do fim da garrafa e, ambos em perfeita paz, isto é, todos os nossos leões circunstanciais devidamente amordaçados... Ah, é assim, assim, escute só:

Acho que você está enganada, minha cara autora desconhecida: eu lhe digo que ficar a espreita "do que será", é o mesmo que ficar "na espera", é quase como acreditar que é possível tocaiar o tempo — e isto, sabemos bem, é impossível! O tempo é um câncer, devora a todos nós, dizia Henry Miller!

Parece-me que ficar na espreita, na tocaia do tempo, significa mais a recusa, o medo de agir (de frente), o medo de lutar pelo que se deseja... ou não?! Não juro, pois, como se sabe, tudo é, e não é... segundo os olhos de quem olha [as coisas].

Então, ah... A tocaia: como nos tempos da velha Minas das histórias que a minha mãe me contava, a sorrateira preparação — a espera pode ser longa, muito longa; pega então um bornalzinho com carne seca, farinha de mandioca de biju, uma cabaça de água fresca, uma garrafinha de aguardente para dar coragem, o rifle, e vai para detrás de uma moita, ficar na espera de que o alvo (o objetivo) venha de encontro, e se aproxime de jeito, fique bem na mira...

Acho o contrário de você: a vida é ação, mesmo que não haja esperança, agir!! Aliás, é fundamental agir sem esperança, agir simples e cabalmente por que se tem um PROJETO!! E um projeto cria demanda — demanda de ação! Ai, não tergiverse, não sofisme! — não me diga que "não-agir" também é uma forma de agir! Que conteúdo teria a vida de um ser que assim procedesse, desde o nascimento? Não agir é ceder às garras da angústia, é mais uma forma de negar um projeto, matar no ninho!

Agir sim, pois, o Acaso pode vir a meu favor — por que não? — mas, virá somente depois da minha ação! Para eu me candidatar à possibilidade de o Acaso virar o jogo da vida a meu favor, eu preciso ter um projeto e em seguida, agir, abrir as asas ao vento da sorte. Agir, é acreditar que o "não" de hoje, vire o "talvez" de amanhã, e este, por sua vez, vire um "sim"...

Agora, o cerne das minhas palavras: o PROJETO — ter um projeto é estar vivo, estar na correnteza da vida, não apenas sendo levado por ela, mas nadando sempre. Mas é também aceitar que há perdas, mas que as perdas aconteçam no plano da realidade da ação, perdas, sim, mas só depois de tentar e agir, e nunca perdas antecipadas e coadas da moagem fina da imaginação. E se perda houver, paciência, pelo menos não fica a frustração de ter apenas ficado na moita, na tocaia, esperando que o objetivo venha quentinho, prontinho, cair na boca no meu rifle (até então, inerte, sem luta)!

O segredo é alma do negócio, a discrição é tudo, tudo nesta vida! "Tenho horror a escândalos" — dizia minha mãe! Então, para que estas banais palavras que acabo de dizer — para quê? Ora, para nada... para nada! Afinal, esta vida o que é? Uma experienciação de realidades, não uma arca de mistérios a ser desvendados!

Detesto que me cobrem coerência, detesto! Assim, afirmo que eu não disse nada, nada! Apenas falei de coisas sabidas desde a Antiguidade; mas sobretudo, falei do que aprendi tardiamente, quando então, a experiência me mostrou que eu estava errado sobre tantas coisas, tantas, que no fim, na véspera dos meus 99 anos, só vai mesmo restando-me a solidão, uma solidão assim, de uma espessura de se apalpar... sem rumo, no escuro, e sem projetos... a morte em vida, pois a morte é o fim de todas as possibilidades — e eu sei do que falo: eu escolho morrer! Será? Alguém acredita no que eu digo? Eu acredito?! Meu corpo está a temperatura normal, e eu sonho, às vezes, tenho sonhos...

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[Penas do Desterro, 01 de maio de 2008]