[Brumas de Abril]

Outro abril, e esta vida besta agoniza diante dos meus olhos. [Eu falo devagar tudo que o meu falo uiva] a vida finge que morre, pois vai renascer, sabemos muito bem que sim, a vida só engana quem quer ser enganado, e o que é a vida, a vida nem é nada, eu sou eu e mato, no ninho, as minhas melhores opções no jogo! O que está morto não renasce... frase mais idiota!

Agir sem esperança, me dizem, vontade de arma carregada atirando a esmo; — conseguirei?! Sei que não, mas vou tentar. Meu coração sabe de tudo, e não sabe nada... A névoa cobre o asfalto das loucuras, meu carro aguarda-me na garagem, está vivo, está pronto, é só ligar a chave — e isto, merda, é o pior, ir para onde, para onde? Acabou-se a vontade. Mas eu estou só, e como sempre, longe de tudo. Repito: estou só... você vem? Vem? Vem nada... você acredita no futuro, eu não!

A inexorável (palavra cabível) secura outonal surge, eu (gosto de dizer "eu", quem não gosta?), vim do campo, sou e serei do sertão, os buritis tinham o norte que eu não segui, fiquei no pior dos mundos, fiquei no entremeio, fiquei no entreato que não termina, não deixa o espetáculo continuar! Sou aquela nervura a toa que só incomoda... nervura da mentira, nervura da realidade, nervura de nada...

Sei da cidade, mas sou de lugar nenhum. A lua cheia sobre a invernada judiada, lembra-me que estamos sozinhos no mundo, Não, você e eu não — que pretensão a sua! — eu e o meu cavalo, que luta junto comigo... A lua no céu, não é de ninguém (ainda...) eu na terra, não me pertenço — quem me tem?

Do alto do meu cavalo castanho, olho os nervosos dorsos escuros, úmidos, e penso que o gado sente o tempo, mas sou eu quem sente a secura em tudo, nos campos, na estrada, na queda das folhas das árvores, e nas palmas verdolengas dos bacuris; o gado, que inveja, apenas sofre.

Agora, eu sei que estou morrendo, mas não sinto urgências — oras,

esfrega o teu corpo no meu, vamos, excita-me, olha só este falo ereto, duro, vamos, venha, esta será a última, quero ter a [última] sensação de ter corpo, de ter o meu corpo no teu corpo!

Socrates, após ingerir a cicuta? Eu, hein, não haverá pegadas

que levem ao meu túmulo! Vasta "Oceanidade" de ser?! Ah, que besteira! Morri ontem!

Aperto play...

Eu, sim, eu sinto o tempo, é isso que importa. Dirijo meu carro nas madrugadas violentas deste país, terra de ninguém, terra minha, onde a Justiça, cabeça perdida no Oitocentos, resiste, resiste e ainda procura escravocratas, traficantes de escravos para colocar em liberdade.

"Quem tem, tem; quem não tem, até o que tem lhe será tirado";

ei, eu não pensei isto aí não!

Que absurdo! Eu não carrego culpas,

sou ateu, a Eternidade não me diz respeito!

[Penas do Desterro, 27 de abril de 2008]