O garoto
Eu vi uma criança.
Ela estava sentada no chão de terra e barro, magra e sozinha.
Era um menino. Escondia seus olhos por trás dos joelhos e a cabeça era careca. Não vestia nenhuma camisa ou manta para protegê-lo do sol implacável. Não calçava nem um chinelo, nem uma sandália, que dirá um sapato ou tênis, para impedir que seu pé queimasse no chão quente.
Os ombros já pendiam desanimados, encurvados. As mãos já não se fechavam em volta do joelho. As lágrimas lhe caíam sobre o peito, mas ele não mais chorava agora.
Os lábios estavam secos, em carne viva, expostos a tempestade de poeira.
Não bebia água há mais de dois dias; não comia há mais de quatro.
Eu vi abutres do tamanho de cães de briga descerem dos céus. E eu vi a criança gemer devagar, baixo, com o máximo de forças que possuía, para tentar fazê-los se afastar.
Eu vi uma das aves pousar como um recado fúnebre, sobre o terreno arenoso. Abrir as asas, e naquele momento se tornar uma enorme sombra. Uma sombra medonha e ameaçadora. Não, não uma sombra. Mais parecia uma mortalha. O anúncio de que o fim chegara.
Foi custoso para mim me mexer, depois das lágrimas atingirem, salgadas, meus lábios. Mas então eu expulsei os abutres e dei água ao menino.
Vi a boca abrir-se com dificuldade, e cada gole de água perpassar sua garganta feito uma pedra.
Vi o menino repousar a cabeça em descanso no meu colo, e me lançar um olhar mórbido. Eu vi seus olhos fundos, chorosos e brilhosos. E ali mesmo, vi toda a luz dos seus olhos se esvair, me observando.
Então, o que você fez?
Eu resolvi parar de me lamentar.