QUEREM VIR COMIGO?

O trilho que me leva ao Porto já me reconhece como caminheira, já conhece as minhas pegadas, o meu peso, o meu cheiro... Por força de "ganha-pão", vou lá muitas vezes, sempre a reclamar do troço em zigue-zague da estrada que sobe, cansada, o Marão. Cansada da íngreme subida, cansada de promessas de reforma, mas bem conservada, e principalmente, pródiga em beleza, generosa em dádivas despretensiosas de paisagens soberbas, magníficas!... Quase a deixar antecipadas saudades à perspectiva de, num futuro que já vai sendo próximo há demasiado tempo, uma alternativa mais lesta, mas rectilínea, mais rápida... Mas enquanto o projecto não se finaliza e se enrola em interesses suspeitos ou insuspeitos de quem manda ou desmanda, sigo o trilho velhinho, sábio, e cheio de riquezas, da estrada que liga Peso da Régua a Amarante, até desaguar na auto-estrada e fluir, solto e livre, até ao Porto...

Saio da Régua na companhia serena do Douro, mano-a-mano, partilhando com ele o azul do céu e as margens alindadas de vinhas vestidas de novo e de pomares floridos. Até Mesão Frio, vou-me afastando, cada vez mais do vale onde ele se espreguiça, em curvas sensuais, e subo o altar de vinhedos até o miradouro soberbo da bela vila, pórtico de entrada no reino do Marão. E subo, subo num enganador desejo de tocar o céu. E o céu é o caminho... verde, agora, puro, aberto... Em fins de Abril os montes mais férteis vestem de amarelo-maia os seus contornos de seios de virgem. Os mais agrestes e longínquos, toldados pelo azul-cinza da distância, rasgam ravinas que impõem o respeito devido a uma verdadeira serrania. Abro os vidros do carro e o aroma doce das flores silvestres serve-se em cálices de pura oferenda, só para mim... Os eucaliptos, invejosos, agitam aromas balsâmicos, tentando inebriar-me, embriagar-me...

Lá longe, uma aldeiazinha, como jóia multifacetada, enfeita uma prega airosa das fraldas da montanha. E um rio, traquina e travesso,ilude-lhe vigílias, dividindo-a ao meio...

E a subida, a levar-me ao topo da natureza, e o silêncio a servir de música de fundo aos gorjeios felizes dos pássaros e a cantar hinos às árvores, arrepiadas, ao de leve, pela brisa da manhã...

A descida não é desilusão: meiga e condescendente, não nos corta o encanto, não é abrupta, violenta. É, antes, macia, enfeitada de pinheiros, de casas pinceladas nas encostas, povoações faiscando alvores, na lonjura... E entra-se na terra do Tâmega, fértil e rica, verde e viçosa, perfumada de vida.

Corta-nos o encanto (ou parte), a auto-estrada, apanhada, a correr, em Amarante. Essa toma-nos, egoísta, e leva-nos, desligadamente, sem a emoção das curvas vincadas, mas descobrindo também, ao largo, a face fresca do norte de Portugal, bafejada pelo hálito do mar vizinho, que lhe humedece a cútis e a adoça em saudáveis matizes de verde e vida...

Até chegar ao Porto e reencontrar o Douro, que nos ganhou a corrida até ao mar...

--25/04/2008--