Angel-O gêmeo degenerado

O sobretudo manchado de sangue, e a ponta dos dedos cheirando a um cigarro recém-esmagado. Um braço esticado em direção à tempora alheia e o outro segurando a maleta com algum dinheiro.

Ao fundo, o som do trem que chega rápido e vai mais rápido ainda.

Na boca um gosto azedo, e na cabeça algumas dúvidas, principalmente quanto aos pronomes possessivos.

Atira, se for capaz.

Mas nada faz com que o dedo puxe o gatilho ou que o braço se recolha covardemente. O poema parou no meio do caminho, provavelmente por falta de criatividade ou porque poemas longos são invariavelmente enfadonhos.

Angel tem muita coisa a dizer sobre sua falta de caráter, sobre suas andanças por banheiros públicos e sobre como conseguiu uma pequena maleta com dinheiro, após tranformar a cabeça do guarda em geléia.

É por isso que ele olha para mim, e não tem coragem de consumar o ato. E quem seria assim tão ruim, tão sem moral, tão cínico quanto ele? Por mais solitária que seja a vida, há um momento em que se encontra o irmão gêmeo. Aí, curiosamente aprende-se quase que automaticamente, todos os pronomes possessivos.

Isso sim, é o verdadeiro tiro em meu peito.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 23/04/2008
Código do texto: T958193