Estranho no ninho

Lá está ele atrás do balcão,

em seu silêncio de pedra

vendendo guloseimas e cervejas

enquanto sua alma passeia

pelos campos da patagónia, pelos pampas

ou pelos subterrâneos de Bueno Aires

por onde perambula os personagens

de Ernesto Sabato.

Os homens bebem cervejas e falam trivialidades,

ele imagina a configuração dos astros da noite

que não tardará. Em que casa estará a lua,

ah! o brilho da primeira estrela.

Lava os copos, passa o pano no chão,

pensa na menina atirada pela janela,

interpreta o semblante do pai e da madrasta,

contrai levemente os lábios, olha de lado como se tivesse falando com alguém num tom de lamento reflexivo, balança a cabeça e exclama para si mesmo: Não existe mais sentimento de culpa, a morte éstá banalizada, parece que tudo é permitido.

Termina de limpar o chão e o balcão e pensa no grande sertão. Imagina um fim de tarde sob um vento maiozinho, e ouve um grito que ecoa de alguma vereda escondida da memória: DIADORIM... DIADORIM..DIADORIM...

Ele está lá, atrás do balcão, mas seu lugar é em outro lugar: seu lugar

é onde florescem os lírios, na beira dos rios onde brincam as fadas, os faunos e as criaturas dos sonhos.

Como outros poucos que conheci dos livros e dos filmes ele padece da síndrome da insustentável leveza do ser.

Ao meu amigo Alemão.

Grácio Reis
Enviado por Grácio Reis em 19/04/2008
Reeditado em 22/04/2008
Código do texto: T953187