Uma paixão desinteressada

Um final de semana com obrigações para cumprir me levou à cidade que vivi praticamente toda a minha vida, São Paulo. Na segunda-feira de noite peguei a estrada para voltar para a cidade onde moro hoje. Deixei uma de minhas maiores riquezas para trás. Minha filha querida, que está terminando a faculdade. Pensava nela quando olhei para o céu e a lua, minha companheira inseparável no manto sagrado, sorria para mim, e as estrelas, suas filhas, piscavam sensualmente em busca de um olhar apaixonado meu. Pensei nas coisas que deixara par atrás, minha vida, meu trabalho, minha casa, tudo que construí por 40 anos morando na cidade. Eu estava sentindo-me só. Então percebi uma coisa muito estranha: tudo passava com muita velocidade, a estrada, as paisagens, as placas, tudo em minha volta fugia com muita rapidez. Porém, olhando para o alto, surpreso e radiante, percebia que a minha querida lua e suas filhas amorosas, me acompanhavam a todo instante. Aumentei a velocidade do carro, de imediato se adiantavam em estar do meu lado. Uma sensação de plenitude tomou conta de meu coração. Que felicidade poder ter tão soberbas companhias. Muitas conversas francas ao pé do ouvido já me fizeram adocicar o coração com a minha prateada amiga. Com suas filhas preferi manter um distanciamento convenientemente intencional. Porém com a minha lua, eu a deixo luar-me. Lua-me em meus momentos de reflexão e em meus momentos de romance. Meu coração é tocado no brilho de sua luz. Em minha alma espanta as sombras com seu brilho. Meus pensamentos clareiam com sua luz. Naquele momento, em alta velocidade, no limite que a estrada permitia, ela acompanhava-me em todas as curvas. Não deixou-me só em nenhum momento. Recolheu-se ao seu leito apenas quando o dia amanhecia, sabendo que o sol me faria companhia o resto da viagem. Deixou-me bem acompanhado. Então, ainda sonolento de seu sono da noite, o sol confidenciou-me um segredo. A lua o havia procurado no crepúsculo para confidenciar-lhe a ternura que sentia por mim. O sol, sempre atento, alertou-lhe do meu compromisso com a amada, uma estrela solitária na terra, estrela cadente de rastro luminoso. Porém, sem perder o sorriso que sua face alegre ostentava, voltou-se para o sol, e antes que perdesse sua companhia para o horizonte que abria as portas para o mergulho entre os montes no recolher para o descanso, taciturnamente, porém amavelmente, sussurrou-lhe aos ouvidos: "O meu querido poeta das palavras sempre doces, que presenteia-me com seu coração, é amado meu em minha vida. Acompanharei sua alma pura para onde for, mesmo sabendo que seu coração à mim não pertence. Sou sua amante eterna, amiga incondicional, companheira nas lamúrias, confidente nos amores, mesmo que para somente ouvir gratificada as ternas palavras sobre o meu luar."