Timoneiro

(Maria Quitéria - em sôfrego a Franz Kafka)

De direito, era eu o timoneiro, e tive que sair do meu lugar. Amotinaram-se os meus companheiros, não há mais terra, não há mais mar.

Aos piratas de emoções, grita o timoneiro: - Avante!

São sinuosos os caminhos das águas... Riachos e corredeiras indo de encontro as beiras; seguindo em procissão de moléculas, respondendo aos tons do tempo, como uma romaria incrédula: pela onda em seu levante na junção de águas tantas destruindo imaginárias pontes, sem critério, em silêncio, sem mantras.

Náufragos sujeitos ao derradeiro, ao ataque de corsários descabidos, sem atino, sem tino, ao despenhadeiro dos sonhos à força represados, contidos. Abissais os pensamentos corroídos pelo constante bater das águas nas rochas; a marca indelével do saquear bandido onde o Caronte nos aguarda de costas...

Os sargaços que enroscam os pés estão também emaranhados na quilha e o mar que se abriu aos de fé, seca-se à vingar ao jugo da matilha. Mas as águas, em sua constante aglutinação, juntam-se novamente pelos ribanceirinhos e formam o mar calmo ou de viração, como deve, com um farol em seus caminhos. Ondas altas se esperam ao final do dia e marolas calmas na pescaria necessária, segue então o timoneiro com a bússola vazia, vai ao rumo, ao sol, e encontra a praia; há baús remexidos, roupas e entulhos, há vidas perdidas nas batalhas do tempo, há toda a sorte de restos, refugos e nenhum corsário ditando o vento. Mas sabe o timoneiro que agora é dele: o mar, o peixe, toda a vida em doação, sabe que o barco, ganha quem dele zele e ele ainda tem o seu coração...

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