A MÁGICA CAMINHADA
Não existem distâncias invencíveis, nem aquelas que precisamos percorrer "dentro de nós até nós mesmos".
Primeiro, o caminhante terá que reconhecer seu mundo interno, perceber seus arredores, procurar ver os pássaros , amanhecer olhando a aurora na janela aberta para seu interior onde habitam anjos e deômonios. E vasculhar todos os cantos, os mais sombrios, aceitar suas falhas, suas covardias, tomar decisões. Este é o caminho que vai de dentro da nossa fortaleza particular, dos nossos sonhos, assuntos rotineiros, medos, impressões, fantasmas, tudo que reunimos durante uma vida e que naturalmente estará transbordando quando esta já for bem longa, até as proximidades de nossa fronteiras para o exterior, onde habitam guardiões atentos manobrados por todas as nossas hesitações, questionamentos incontáveis, previsões. . .
Dessa forma, guardados por tantos entraves, ao vislumbrar alguém que nos faz estremecer, amar, não conseguiremos atingir os arredores perceptivos desse outro, pelo menos ficaremos tão ocupados em abrir e fechar portas de quartos onde repousam memórias, retirar cadeados das reservas de carinho, dos depósitos de alegria, percorrer escuros corredores de ansiedade, cobrir os olhos vigilantes do senso de obrigação doentio , retirar as algemas da culpa, que os silêncios serão longos, e a visão do outro será turva, como de alguém que só pode ser visto através de um vidro, cuja voz mal é percebida, cujas palavras são só movimentos dos lábios e que, sem uma abertura de nossa parte estaremos sempre dizendo," ah eu queria muito entender..." Assim, desanimados diremos," ah, não encontro a pessoa certa."
Então, só quando conseguirmos distinguir entre o que realmente vale pra nós das coisas que carregamos como fardos onerosos, de tudo aquilo que nosso interior acumulou e que sempre atravancou as possibilidades que só admirávamos à distância, protegidos e atados dentro de nós, é que estaremos prontos para desbancar os guardiões nefastos. Nessa hora, levando às costas uma pequena mochila com o absolutamente necessário, empreenderemos a caminhada rumo ao sítio que sempre nos atraiu, sempre tivemos vontade de ver de perto, e ficamos enredados no emaranhado de eventos, memórias, receios, enfim, uma carga muito pesada para uma vida tão breve.
Nesse momento, que muito pouca gente alcança, será a hora em que venceremos a distância entre nós e nós mesmos, olharemos do alto da montanha tudo que nos afligia e empreenderemos a mágica viagem ao encontro de alguém. E como seremos seres amanhecidos, nosso olhar distinguirá de longe aquele caminhante no alto de sua montanha,empreendendo também a caminhada rumo à felicidade. Despidos de todos os entraves, preconceitos, fantasias, idealizações inúteis, tais pessoas poderão finalmente penetrar a individualidade uma da outra, pois estarão aparelhados do melhor código de comunicação: o despojamento de toda a carga imposta por séculos de posturas estranhas ao animal que na verdade somos , num legítimo descarrego do lixo que uma falsa concepção do que seja felicidade acumulou por séculos.