Conversa com o espelho do meu quarto

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- Sabe, queria ser outra.

- Mas pra que? Já não tens os olhos e cabelos que sonhavas?

(pergunta-me insolente, a imagem despudorada refletida em minha retina. Pergunta-me sabendo de tudo, mas finge que não conhece os meus segredos mais insólitos... Finje não ser minha metade, pintada em estilhaços)

- Pra ter asas - sussurro - E poder riscar o céu num rasante, enquanto namorados se abraçam sentados e perdidos dentro dos olhos um do outro.

Eu queria só uma vez ter o vento no rosto e os pés no céu, como se estivesse sentada em estrela lenta e fria.

Eu queria ser livre, enquanto as águas se contorcem e gritam, mudamente, para alçar espaços impossíveis.

E pela primeira vez na vida, a minha imagem chora.

- Porque você chora? Não percebe que meu coração sangra?

- Não choro sozinha, reflito os teus medos e o meu remorso. Pesa sobre mim a dor da tua prisão.

Fui eu, por tamanho egoísmo, quem cortei as tuas asas. Agora os anos pesam sobre ti e te aprisionam em paredes vítreas.

Morro contigo.

Mas, morro aos poucos, enquanto roubo a imagem do teu rosto.

Eu, só eu, capturo os teus sonhos, e colo teus pés ao chão.

- E de que vale a tua permanência, se em você cabem os meus segredos, mas em mim, apenas cabe a minha incerteza?

E sendo assim, me faço muitas, nos cacos de vidro que espalho pelo quarto; que me submetem a mil anos de solidão.

(Jessiely Soares)