mInHa ViDa Em VeRsOs (Parte 03)
Meu avô materno
Meu avô era bem velho
Tinha os cabelos branquinhos
Era alegre e brincalhão
Tinha os dentes bem clarinhos
Ia à missa todos os domingos
Num cavalo marchador
Num terno de linho engomado
Até parecia um doutor
Uma corrente de ouro
Atravessava-lhe a lapela
Hoje ela ainda existe
Meu irmão está com ela
No casamento de meu pai
Ele lhe deu de presente
“Guarde-a com muito carinho
Ganhei de meu sogro doente”
Minha avó materna
Era moça e parecia velha
Tinha os cabelos pretinhos
Mas, em vez de penteados
Estavam sempre em desalinho
Vivia mal-humorada
Não dava conversa a ninguém
Se procurávamos falar com ela
Nem sempre atendia bem
Não posso saber a causa
Daquela cara amarrada
Teria motivos plausíveis
Ou seria mal-amada?
O sogro
Era um homem enigmático
Pouco tenho pra dizer
Falava muito, coitado
Mas difícil de entender
Andava, falava e falava
Mas ninguém entendia
Dava umas voltas na casa
E em seguida saía
Dirigia-se à cidade
Em pouco tempo retornava
Enchia os bolsos de pão
E para a cidade voltava
Tinha muitos cravos nos pés
Mas em casa não parava não
Chegava e saía rápido
Sempre comendo pão.
A sogra
Falava pelos quatro cantos
Desagradava muito também
De mim ela não gostava
Dela não vou falar bem
O marido, muito sério
Vivia dizendo pra ela
Olhe mais pra dentro de casa
Ao invés de olhar pela janela
Dos filhos não cuidou
Deu a uma preta a empreitada
Não tinha tempo pra isto
Vivia muito ocupada
Primeiros netos foram os meus
Quando quis que estudassem
Foi uma luta tremenda
Motivo para que me odiassem
“Filho de pobre não estuda
Põe na roça pra trabalhar”
Mas enfrentei com coragem
E eles foram estudar
Taxaram-me de orgulhosa
De princesa me apelidaram
Mas eu tive muita garra
E meus filhos estudaram
Nunca briguei com ninguém
Considero-me até muito boa
Mas se mexem com meus filhos
Eu viro uma leoa
Os filhos
Sete filhos pra criar
Sete filhos pra estudar
Com muito parente rico
E nenhum pra ajudar
Passo a mão na cabeça deles
Com orgulho e com razão
São minhas jóias preciosas
Pedaços do meu coração
Sim, são jóias preciosas
E jóias de muito valor
Criei-os com muito trabalho
Muito carinho e muito amor
A mãe que não alisa seus filhos
Não pode lhes querer bem
Quem não zela o bem que ama
Muito pouco amor lhes tem
O Marcelo
Quando o primário terminou
Precisava os estudos continuar
O sonho dele quando pequeno
Era medicina estudar
Quase fundi a cabeça
Para este caso resolver
Os parentes da cidade
Não podiam se oferecer
Um dos tios era prefeito
Tinha alguma facilidade
Prometeu-lhe uma bolsa
E lhe deu metade
Prometeu-lhe uma bolsa
Dando-lhe, portanto, meia
Como não podíamos pagar
A situação ficou bem feia
Mas eu não desisti
O dinheiro tinha que dar
“Faremos mais economias
Assim poderemos pagar”
‘Para a roça ele não volta’
Nem sequer pensamos nisso
Dobramos nossos esforços
Sem assumir compromisso
Com grande dor no coração
O vi partir um dia
Mas a minha compensação
Era ver sua alegria
Matriculou-se no colégio
Alegre e desinibido
Foi morar com os avós
Para ser bem recebido
Pouco tempo durou
Sua grande alegria
Comeu o pão que o diabo amassou
Para conseguir o que queria
Não tinha o meu carinho
Muito menos privacidade
Não podia brincar com bola
Não tinha liberdade
Mesmo assim ele agüentava
E até costumava cantar
Com a grande obsessão
De seu sonho realizar
O seu prato era arrumado
Todo dia comia chorando
As lágrimas pingando no prato
As pessoas ao lado, xingando
Mandavam recados
Para a diretora o castigar
Deixando-o sem recreio
Para ele desanimar
Precisava perder a bolsa
E para a roça voltar
Porque o pai era pobre
E ele tinha que ajudar
De tudo fizeram
A maldade se unindo
Acabou perdendo a bolsa
Acabaram conseguindo
Quem me contou tudo isso
Foi a Nólia, uma concunhada
Tinha tanta pena dele
Que a isto foi obrigada
Ela o tratava muito bem
Era muito sua amiga
Contou-me muito mais
Afirmava não ser intriga
O Geraldo era bonzinho
Levou-o para morar consigo
Colocou-o no banco
Diminuindo-lhe o castigo
Começou a trabalhar
Não ganhou nada, não
Mas não ficou devendo nada
Com isso pagou pensão
Com um amigo do pai
Fez curso de datilografia
Para arranjar um emprego
Era o que mais ele queria
Mais tarde conseguiu
Com o professor trabalhar
Queria ganhar um pouco
Para nos estudos ajudar
No Guarani não teve sorte
De ganhar nem um tostão
Com Zé Lamas não ganhou
No banco foi a maior decepção
Seu Meirelles, sub-gerente
Teve dele compaixão
“Tire-o daqui, enquanto é tempo
Porque aqui não cresce, não”
Em Ubá logo cresceu
Passando imediato a gerente
Veio para Belo Horizonte
Hoje é superintendente
A diretora do colégio
Deveria ser faxineira
Se possuía algum diploma
Só podia ser de faxineira
Quando foi reprovado
Mandaram-nos falar
Que lhe déssemos uma surra
Para ele se emendar
A surra que mandaram dar
Quer felizmente não deram
Deveriam ter dado em seus próprios filhos
Que nem o primário fizeram
Filho de pobre, inteligente
É levado a bagunceiro
Filho de rico é inteligente
Porque o pai tem dinheiro
Lembro-me como se fosse hoje
Eu chorei o dia inteiro
Quando Marcelo teve que ir
A Guarani, como candieiro
À tarde, quando chegou
Sem chapéu, os pés descalços
Não conseguiu jantar
Tal era o seu cansaço
O carreiro tinha dois filhos
Em idade de ser candieiro
Poderiam trabalhar com o pai
Até que aprendesse a ser carreiro
Foi por pura e simples maldade
Só para me ver chorar
Uma criança de nove anos
Três léguas ter que andar
Sinto até hoje ao lembrar
A dor que senti no coração
Quando Marcelo chegou à tarde
Vermelho como um pimentão
O Marcelo pecou também
Por isso foi castigado
Por corrigir uma professora
Que traduziu o francês errado