[No Refúgio do Silêncio: Roçando nossas Linguagens]
[Marca da minha ambigüidade: esta é apenas outra das inúmeras faces que tem um qualquer poema]
Assim, num impulso, nossos corpos se aproximam no exíguo espaço deste carro; [esqueça a tarde morrente, esqueça os passantes, são apenas meras abstrações no quadro que estamos a compor].
Nossos olhos, de tão próximos, se fuzilam enquanto se espelham; seguro teu o rosto, seguras o meu rosto; temos então o mundo em nossas mãos?
Mas como, se eu sou apenas quem eu quero, e não sou quem tu queres? Como? Sim, como, se és quem tu pensas que és e não és quem eu penso que quero?
Não sei se te quero, não sabes se me queres, temos dúvidas; apenas nos roçamos um no outro, isto é, roçamos nossas linguagens, nossos seres, afinal, somos quem podemos ser, quem nos permitimos ser...
Proponho-te uma saída: refugiemo-nos no silêncio de nossas infundadas expectativas; erramos de ser, erramos de tempo — ou não? Erraste-me, errei-te, o que fazer?
Olhas fixamente a janela do carro como se a rua te pudesse explicar por que estás aqui, e não lá; queres voltar para o que dizes ser o teu lugar, e eu te respondo que o teu lugar é apenas a tua escolha da hora; esgrimes de volta o gelo dos teus olhos, e tornas a segurar o meu rosto, para quê, por quê, não sabes, não sabemos!
— Tua mão está quente — afirmo.
E tornas a esgrimir um misterioso silêncio, defendo-me olhando-te fixamente — interrogo-te, meu olhar tenta, mas cai no vazio dos teus olhos. Sem obter resposta de teus lábios, já fiz o carro parar no que chamas o teu lugar.
A porta do carro fechada suavemente, e os nossos olhares perdidos no asfalto molhado decretam, finalmente, a nossa solidão [a dois]; pensando em ti, sei que estou longe de mim, e tu, pensando em mim, estás longe de ti; os nossos corpos sedentos uivam, apenas uivam; só nos resta nos perdermos na noite imensa...
[Penas do Desterro, 24 de fevereiro de 2008]